sexta-feira, 11 de setembro de 2009

SUGESTÃO DE FILME - ENSAIO DE UMA CEGUEIRA -

O filme foi sugerido pela Profa Lanza Xavier, que se dispôs a colborar semanalmente com o nosso blog elaborando a resenha do filme. Desde já agradecemos a disposição da referida profa. e dos profs. do Curso de Cinema e Animação da UFPel.

Ensaio de uma Cegueira

Um filme que se passa em lugar algum, com pessoas sem nome. Uma reflexão sobre a sociedade atual e a cegueira que nos cerca. Incômodo, estranheza, foram estas sensações que tomaram conta de mim ao assistir “ Ensaio de uma Cegueira”, do diretor Fernando Meirelles. A história é baseada no livro de José Saramago, que por diversas vezes vetou as tentativas de adaptação de sua obra acreditando que o “cinema destrói a imaginação”. Mas o talento de Meirelles fez com que este autor, laureado com o Prêmio Nobre da Literatura, se emocionasse ao assistir o filme pela primeira vez.
A impressão que se tem pelo título é que se trata de uma filme sobre cegueira. Mas ele vai muito além disso. É um reflexão sobre os limites do ser humano, a deterioração da sociedade através da história de uma inexplicável epidemia de cegueira que toma conta de uma sociedade, e apenas uma mulher –identificada como a mulher do médico- continua a enxergar. Ao perder a visão os personagens revelam o lado obscuro de suas almas. Isolados em um manicômio abandonado a mulher do médico, representado por Julianne Moore, é a única pessoal que enxerga o verdadeiro caos que ao longo do tempo passa a se instaurar no local: falta de comida, de espaço, higiene, de “ordem”.
A forma em que a história se apresenta é o que me causou um tipo de desconforto. A cegueira branca é apresentada todo tempo, mesclado a imagens “normais” (diga-se colorida), com uma fotografia fria. O foco incerto, câmera subjetiva, oscilante, cortam, por vezes, personagens pela metade. O não esclarecimento de o porquê da epidemia, do local onde ela ocorre, os nomes dos personagens, a razão pela qual aquela única mulher continua a enxergar foram as dúvidas que percorriam meus pensamentos ao começar a assistir o filme. Depois pude perceber que este não era, nem nunca foi o objetivo da obra, assim como não era do livro de Saramago.
Saramago usou o inexplicável para experimentar as reações humanas em uma situação de caos, de falta de ordem. Desafia-nos a refletir sobre nossos limites em nome da sobrevivência. O que faríamos na falta de comida? Seríamos capazes de suportar a dor ao saber que “nossas” esposas serão estupradas em uma ala ao lado? Seriamos capazes de matar? De se suicidar? Qual o limite da ordem? Até onde controlamos e somos controlados? A personagem de Julianne Moore, a única vidente entre sujeitos a beira de um colapso,enxergando tudo isso, conclui que as pessoas mostram quem realmente são quando passam a não poder julgar a partir do que vêem. Apenas conseguimos estabelecer uma conexão verdadeira com o mundo ao nosso redor quando perdemos a capacidade do pré-julgamento. Somos dependentes uns dos outros. Enxergar alguém vai além do lado visual, é um exercício de tolerância e amor.
Lendo o diário do diretor Fernando Meirelles descobri que, entre outras, a cena do estupro teve de ser amenizada. Em uma sessão feita antes do lançamento do filme, 25 mulheres foram embora ao assisti-la. Com certeza, se eu estivesse lá, seriam 26 a levantar da poltrona. Talentosamente Meirelles deixou a situação de acordo com nosso imaginário: cenas escuras, sem nenhuma violência visível. Apenas o grito de uma delas, e o seu corpo sendo carregado pelas colegas.
Saramago nos faz refletir sobre quem realmente somos na essência, não apenas o que pensamos ser, com os rótulos impostos pela sociedade ocidental atual. Em uma situação de cegueira coletiva, estes rótulos são irrelevantes. A cegueira branca é a quantidade exacerbada de informações desordenadas que nos perturba, fazendo com que não consigamos ver o mundo como ele realmente é.
No final, Meirelles nos apresenta uma nota de otimismo, contrastando a situação de caos apresentada até então. Nossa “visão”, não no sentido físico, mas sim na fixação pelos padrões estéticos atuais é que nos afasta, ergue barreiras sociais. Seria uma cegueira coletiva a condição para o amor mútuo e verdadeiro para todos nós? Para Saramago e Meirelles sim.!

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