da incompatibilidade de gênios
Eu não sei o nome que se dá a um problema que não é bem um problema, daqueles que te tiram o sono e embrulham o estômago, que interrompem sua leitura e ficam pulando na sua frente da maneira mais angustiante possível. Existem vários tipos de problemas no mundo, diferentes em escala e importância entre si, e já que este é meu blog, tão pessoal e irrelevante, torna-se por excelência o espaço pros problemas igualmente pessoais e irrelevantes da minha vida. No capítulo de hoje, aquela frestinha de desentendimento com o Paulo, decorrente do fato de ele ser um biólogo e querer agir como um em todos os aspectos da existência. É preciso dizer, em minha defesa, que os biólogos geralmente são pessoas adoráveis, interessantes e engajadas, mas que podem se tornar seu pior inimigo no momento em que vc pega a segunda sacolinha de plástico no caixa do mercado pra reforçar o carregamento do engradado de cervejas. Muita cautela com eles.
Aí eu me casei com um, certo? E nós viemos morar num lugar que, de vez em quando, recebe visitas de insetos de toda ordem. Eu não me preocupo com os filos, ordens, espécies, famílias nem nada, pra mim, se é pequeno o bastante pra ser esmagado com um dedo e voa, então é mosquito e portanto alvo da minha ira. Eu me sinto uma justiceira com um inseticida na mão. Mas não meu marido. Estranhamente ele se interessa pela individualidade e especificidades de cada inseto e enquanto eu saio alucinada atrás do meliante voador, ele tenta me explicar a participação do mesmo na natureza, esse projeto megalomaníaco desse biólogo obcecado e detalhista que foi deus.
Mesmo nos raríssimos casos em que Paulo concorda com a periculosidade do mequetrefe, ele se põe a observar a rota de vôo do inseto, se gosta de sombra, luz, lugares úmidos ou secos, se pousa no teto ou nos vãos. Paulo identifica, estuda, isola o comportamento e dá uma ou duas borrifadinhas de Veja diluído em água nos lugares estratégicos, como se temesse ser descoberto pela gangue dos mosquitos sanguinários. O processo de execução de um mosquito, quando o executor é o marido, segue os padrões da CIA. Rápido, limpinho e condizente com nosso grau civilizatório. Vejam o problema: nesses casos, eu faço o tipo ROTA. Eu não quero desengordurar e perfumar o mosquito com Veja maçã verde. Aplico o método ninguém-entra-ninguém-sai do quarto, e com porta e janela fechadas, eu borrifo o inseticida mais fedorento como se não houvesse amanhã. Não me basta acertar uma rajada de veneno no delinquente zumbidor, eu tenho que apavora-lo, faze-lo fugir, implorar e, finalmente, sufoca-lo numa camada de espuma branca de inseticida. Não quero saber se é macho ou fêmea, se pica, se não pica, se só picou uma vez e foi o vizinho do 302 mas promete parar. Oh, não. Mosquito bom é mosquito morto. Mas depois que eu venço faço justiça e elimino a vida selvagem do nosso ninho de amor, Paulo tem a ousadia de reclamar do cheiro do veneno e dizer que eu exagero.
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Então é assim o casamento, uma hora a máscara cai. E você começa a descobrir nos detalhes a incompatibilidade dos gênios e acaba acreditando que gênio mesmo só você, o outro está é equivocado nessa vida. Ainda bem que há o amor, pleno e farto, ocupado das grandes coisas, dos momentos de alegria e de tristeza, da nobreza e da paciência, até que o aparecimento de uma lagartixa rara nos separe.
Postagem retirada do blog: ateaquitudobem.blogspot.com
Blog da Associação dos Servidores da Universidade Federal de Pelotas, criado pela Coordenação de Divulgação e Imprensa, com o objetivo de interagir diretamente com o associado e a comunidade em geral, debatendo assuntos não só de interesse da categoria, mas de toda sociedade, de forma crítica e participativa.
Um comentário:
Muito bom!!!
Estou gostando dessas novas idéias pro nosso blog. Valeu Rosane e Joãozinho!
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