quarta-feira, 28 de abril de 2010

ASSEMBLÉIA GERAL - 28/04 - quarta-feira - 14h

A ASUFPel-Sindicato realiza nesta quarta-feira, 28/04, assembléia geral, às 14h, em sua sede (Rua 15 Novembro, 262). Na pauta, informes locais, nacionais e jurídicos, reposicionamento dos aposentados da UFPel, progressão por capacidade, avaliação da plenária da FASUBRA, reestruturação da UFPel, PL549/09, entre outros assuntos.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Homenagem aos vigilantes

Escrito por Contraf-CUT com CNTV-PS e Agência Senado

Em sessão especial no Senado, trabalhadores exigem adicional de 30% de risco de vida


Em sessão especial ocorrida no final da manhã desta segunda-feira, 26, o Senado prestou justa homenagem ao dia nacional dos vigilantes. A sessão, requerida pelo senador Paulo Paim (PT-RS) e presidida pela senadora Serys Slhessarenko (PT- MT), lotou o plenário da Casa, com a presença de delegações de diversos estados, e foi uma grande manifestação em defesa da aprovação dos projetos de lei que asseguram o adicional de 30% por risco de vida para a categoria.

Além de Serys e Paim, integraram a mesa dos trabalhos o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Vigilantes (CNTV-PS), José Boaventura Santos, o diretor da CNTV, Chico Vigilante, o secretário de imprensa da Contraf-CUT, Ademir Wiederkehr, o secretário de organização da CUT, Jaci Afonso, o coordenador de Segurança Privada da Polícia Federal, delegado Adelar Anderle, e a diretora da Fenavist, Rosângela Menezes.

Atualmente, tramitam no Congresso três projetos de lei que tratam do assunto, tendo como medida básica o pagamento do adicional de 30% sobre o salário dos vigilantes a título de periculosidade. São eles os PLS 387/09 e 682/07, de autoria, respectivamente, do senador Paim e da senadora Serys, e o PLC 220/09, da deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

Valorização
Serys pregou a valorização do trabalho dos vigilantes. Atualmente, são cerca de 1,8 milhão de profissionais registrados no ramo. Conforme a senadora, esses trabalhadores sofrem discriminação por não terem direito ao adicional de periculosidade. A senadora reconheceu que a segurança privada cresce a cada dia no país e que o trabalho dos vigilantes envolve riscos concretos. Por isso, ela defende a aprovação de projeto que concede o benefício.

Para Paim, a sessão especial não era apenas para homenagear o Dia dos Vigilantes, mas de protesto, no sentido de sensibilizar o Congresso Nacional a votar o projeto que concede o adicional de 30%. "O adicional de periculosidade é justo e tem que ser aprovado o mais rápido possível", resumiu Paim.

O senador defendeu ainda piso salarial "decente" para os vigilantes e aposentadoria especial aos 25 anos de serviço para toda a categoria.

Boaventura destacou a história dos vigilantes no Brasil, denunciou o desrespeito aos direitos trabalhistas e as péssimas condições de trabalho em muitas empresas, defendeu o adicional de 30% de risco de vida e pediu a aprovação dos três projetos que tramitam no Congresso Nacional.

Chico Vigilante defendeu a aprovação de lei disciplinando a atividade da categoria que, informou, movimenta por ano mais de R$ 15 bilhões. Adelar mostrou a importância da segurança privada, salientou a atuação da Polícia Federal e defendeu legalização da segurança clandestina e informal.

Ademir salientou a parceria entre bancários e vigilantes "no trabalho e na luta". Ele apoiou a luta pelo adicional de risco de vida e mostrou a importância da unificação da data-base, explicando que "os bancários possuem convenção coletiva nacional desde 1992, com o mesmo piso, vale-refeição e demais conquistas". Ele também questionou "por que o ticket do bancário é maior do que o vigilante, se ambos tem o mesmo estômago?". O diretor da Contraf-CUT denunciou mortes de bancários, vigilantes e clientes em assaltos a bancos e pediu leis que protejam a vida e tragam segurança.

Jaci Afonso, que também foi presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília, reafirmou as lutas dos vigilantes e aproveitou para cobrar a aprovação do projeto que reduz a jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário e do projeto do deputado Vicentinho que dispõe sobre as relações de trabalho na terceirização.

Serys leu no plenário do Senado a carta aberta do presidente da CNTV-PS, que retrata a história dos vigilantes, os problemas e anseios.

Propostas definem adicional de periculosidade para vigilantes

Os senadores Paim e Serys e a deputada Vanessa Grazziotin são autores de projetos que garantem o pagamento de adicional de periculosidade para os vigilantes. Os três projetos têm apoio da categoria e tramitam na Câmara e no Senado.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 387/08, de autoria de Paim, foi aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e remetido à Câmara no dia 25 de setembro de 2009, onde tramita como PL 6.113/09.

O texto inclui entre as atividades profissionais com direito a pagamento de adicional de periculosidade aquelas que exponham o trabalhador a contato permanente com explosivos ou inflamáveis, por representarem acentuado risco de vida, perigo iminente de acidente ou violência física.

Na justificação do projeto, Paim afirma que existem várias profissões que trazem risco à vida e à integridade física dos que as exercem. O trabalho dos vigilantes, observa ele, mesmo sendo uma dessas profissões, não está relacionado no artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata do direito ao adicional de 30% sobre o salário, a título de periculosidade.

Para o senador, essa situação é injusta, por tratar de forma diferente trabalhadores expostos ao mesmo problema. Ele acrescenta que o adicional de periculosidade jamais compensará a exposição da vida ao perigo, mas representa a valorização desses profissionais. O texto final aprovado na CAS altera, portanto, artigo da CLT para assegurar o benefício aos vigilantes. Na comissão, a matéria recebeu parecer favorável dosenador Flávio Arns (PSDB-PR).

Também o projeto (PLS 682/07) de Serys prevê que os vigilantes recebam adicional de periculosidade de 30% sobre o salário. A senadora, no entanto, sugere que seja alterada a Lei 7.102/83, que trata da segurança para estabelecimentos financeiros e de normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores.

O texto foi aprovado no Senado e atualmente tramita na Câmara como PL 4.436/08. Pela proposta de Serys, os vigilantes teriam direito ao adicional de periculosidade sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. A matéria tramita na Câmara em conjunto com outros dez projetos.


Polêmica
Já o projeto da deputada Vanessa Grazziotin, que tramita na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) como PLC 220/09, é mais abrangente, e, por esse motivo, mais polêmico. O projeto determina que tanto vigilantes como trabalhadores que exercem atividades em transporte de valores tenham direito ao adicional de periculosidade de 30% sobre o salário.

Pelo projeto, esse adicional deverá ser incorporado ao salário dos trabalhadores para todos os efeitos legais. A matéria foi aprovada na CAS - tendo como relator o próprio Paim -, foi a Plenário, mas os senadores decidiram remetê-la ao exame da CAE.

Segundo a autora do projeto, a medida é necessária para dar maior efetividade ao que estabelece o inciso 23 do artigo 7º da Constituição, que prevê pagamento de adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A mídia não comenta, mas Cuba realiza eleições neste domingo

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Por Juan Marrero, em Cuba Debate
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Isso é perfeitamente compreensível, pois um dos componentes principais da guerra mediática contra a revolução cubana tem sido negar, escamotear ou silenciar a realização de eleições democráticas: as parciais, a cada dois anos e meio, para eleger delegados do conselho, e as gerais, a cada cinco, para eleger os deputados nacionais e integrantes das assembleias provinciais.
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Cuba entra no seu décimo terceiro processo eleitoral desde 1976 com a participação entusiasta e responsável de todos os cidadãos com mais de 16 anos de idade. Nesta ocasião, são eleições parciais.
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Com a tergiversação, a desinformação e a exclusão das eleições em Cuba da agenda informativa de cada um, os donos dos grandes meios de comunicação tentaram afiançar a sua sinistra mensagem de que os dirigentes em Cuba, a diferentes níveis, não são eleitos pelo povo.
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Isso apesar de, felizmente, nos últimos anos, sobretudo depois da irrupção da internet, os controles midiáticos terem começado a se quebrar aceleradamente, e a verdade sobre a realidade de Cuba, nas eleições e noutros acontecimentos e temas, ter vindo à tona.
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Não dar informação sobre as eleições em Cuba, nem da sua obra na saúde, educação, segurança social e outros temas, decorre de que os poderosos do mundo do capital temem a propagação do seu exemplo, à medida que vai ficando completamente clara a ficção de democracia e liberdade que durante séculos se vendeu ao mundo.
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Apreciamos, no entanto, que o implacável passar do tempo é adverso aos que tecem muros de silêncio. Mesmo que ainda andem por aí alguns comentadores tarefeiros ou políticos defensores de interesses alheios ou adversos aos povos e que continuam a afirmar que “sob a ditadura dos Castro em Cuba não há democracia, nem liberdade, nem eleições”. Trata-se de uma ideia repetida frequentemente para honrar aquele pensamento de um ideólogo do nazismo, segundo o qual uma mentira repetida mil vezes poderia converter-se numa verdade.
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À luz das eleições convocadas para o próximo dia 25 de Abril, quero apenas dizer-vos neste artigo, dentro da maior brevidade possível, quatro marcas do processo eleitoral em Cuba, ainda suscetíveis de aperfeiçoamento, que marcam substanciais diferenças com os mecanismos existentes para a celebração de eleições nas chamadas “democracias representativas”. Esses aspectos são: 1) Registo Eleitoral; 2) Assembleias de Nomeação de Candidatos a Delegados; 3) Propaganda Eleitoral; e 4) A votação e o escrutínio.
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O Registro Eleitoral é automático, universal, gratuito e público. Ao nascer um cubano, ele não só tem direito a receber educação e saúde gratuitamente, como também, quando chega aos 16 anos de idade, automaticamente é inscrito no Registro Eleitoral. Por razões de sexo, religião, raça ou filosofia política, ninguém é excluído. Nem se pertencer aos corpos de defesa e segurança do país. A ninguém é cobrado um centavo por aparecer inscrito, e muito menos é submetido a asfixiantes trâmites burocráticos como a exigência de fotografias, selos ou carimbos, ou a tomada de impressões digitais. O Registro é público, é exposto em lugares de massiva afluência do povo em cada circunscrição.
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Todo esse mecanismo público possibilita, desde o início do processo eleitoral, que cada cidadão com capacidade legal possa exercer o seu direito de eleger ou de ser eleito. E impede a possibilidade de fraude, o que é muito comum em países que se chamam democráticos. Em todo o lado a base para a fraude está, em primeiro lugar, naquela imensa maioria dos eleitores que não sabe quem tem direito a votar. Isso só é conhecido por umas poucas maquinarias políticas. E, por isso, há mortos que votam várias vezes, ou, como acontece nos Estados Unidos, numerosos cidadãos não são incluídos nos registos porque alguma vez foram condenados pelos tribunais, apesar de terem cumprido as suas penas.
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O que mais distingue e diferencia as eleições em Cuba de outras são as assembleias de nomeação de candidatos. Noutros países, a essência do sistema democrático é que os candidatos surjam dos partidos, da competição entre vários partidos e candidatos. Isso não é assim em Cuba. Os candidatos não saem de nenhuma maquinaria política. O Partido Comunista de Cuba, força dirigente da sociedade e do Estado, não é uma organização com propósitos eleitorais. Nem apresenta, nem elege, nem revoga nenhum dos milhares de homens e mulheres que ocupam os cargos representativos do Estado cubano. Entre os seus fins nunca esteve nem estará ganhar lugares na Assembleia Nacional ou nas Assembleias Provinciais ou Municipais do Poder Popular. Em cada um dos processos celebrados até à data foram propostos e eleitos numerosos militantes do Partido, porque os seus concidadãos os consideraram pessoas com méritos e aptidões, mas não devido à sua militância.
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Os cubanos e as cubanas têm o privilégio de apresentar os seus candidatos com base nos seus méritos e capacidades, em assembleias de residentes em bairros, demarcações ou áreas nas cidades ou no campo. De braço no ar é feita a votação nessas assembleias, de onde resulta eleito aquele proposto que obtenha maior número de votos. Em cada circunscrição eleitoral há varias áreas de nomeação, e a Lei Eleitoral garante que pelo menos 2 candidatos, e até 8, possam ser os que aparecem nos boletins para a eleição de delegados do próximo dia 25 de Abril.
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Outra marca do processo eleitoral em Cuba é a ausência de propaganda custosa e ruidosa, a mercantilização que está presente noutros países, onde há uma corrida para a obtenção de fundos ou para privilegiar uma ou outra empresa de relações públicas. Nenhum dos candidatos apresentados em Cuba pode fazer propaganda a seu favor e, obviamente, nenhum necessita de ser rico ou de dispor de fundos ou ajuda financeira para se dar a conhecer. Nas praças e nas ruas não há ações a favor de nenhum candidato, nem manifestações, nem carros com alto-falantes, nem cartazes com as suas fotografias, nem promessas eleitorais; na rádio e na televisão também não; nem na imprensa escrita. A única propaganda é executada pelas autoridades eleitorais e consiste na exposição em lugares públicos na área de residência dos eleitores da biografia e fotografia de cada um dos candidatos. Nenhum candidato é privilegiado sobre outro. Nas biografias são expostos méritos alcançados na vida social, a fim de que os eleitores possam ter elementos sobre condições pessoais, prestígio e capacidade para servir o povo de cada um dos candidatos e emitir livremente o seu voto pelo que considere o melhor.
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A marca final que queremos comentar é a votação e o escrutínio público. Em Cuba não é obrigatório o voto. Como estabelece o Artigo 3 da Lei Eleitoral, é livre, igual e secreto, e cada eleitor tem direito a um só voto. Ninguém tem, pois, nada que temer se não for ao seu colégio eleitoral no dia das eleições ou se decidir entregar o seu boletim em branco ou anulá-lo. Não acontece como em muitos países onde o voto é obrigatório e as pessoas são compelidas a votarem para não serem multadas, ou serem levadas a tribunal ou até para não perderem o emprego.Enquanto noutros países, incluindo os Estados Unidos, a essência radica em que a maioria não vote, em Cuba garante-se que quem o deseje possa fazê-lo. Nas eleições efetuadas em Cuba desde 1976 até à data de hoje, em média, 97% dos eleitores foram votar. Nas últimas três, votaram mais de 8 milhões de eleitores.
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A contagem dos votos nas eleições cubanas é pública, e pode ser presenciada em cada colégio por todos os cidadãos que o desejem fazer, inclusive a imprensa nacional ou estrangeira. E, para além disso, os eleitos só o são se alcançam mais de 50% dos votos válidos emitidos, e eles prestam contas aos seus eleitores e podem ser revogados a qualquer momento do seu mandato. Aspiro simplesmente a que, com estas marcas agora enunciadas, um leitor sem informação sobre a realidade cubana responda a algumas elementares perguntas, como as seguintes: onde há maior transparência eleitoral e maior liberdade e democracia? Onde se obtiveram melhores resultados eleitorais: em países com muitos partidos políticos, muitos candidatos, muita propaganda, ou na Cuba silenciada ou manipulada pelos grandes meios, monopolizados por um punhado de empresas e magnatas cada vez mais reduzido?
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E aspiro, para além disso, a que pelo menos algum dia, cesse na grande imprensa o muro de silêncio que se levantou sobre as eleições em Cuba, tal como em outros temas como a obra na saúde pública e na educação, e isso possa ser fonte de conhecimento para outros povos que merecem um maior respeito e um futuro de mais liberdades e democracia.
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Fonte: Cuba Debate
Postagem retirada do blog:botequimdobruno.blogspot.com.br

sexta-feira, 23 de abril de 2010

UM BOM FIM-DE-SEMANA A TODOS E A TODAS

Desejamos um bom descanso, voltamos a postar na próxima segunda-feira.

LEITURA: Dando um Gás na Sorbonne

Quando ele entrou na sala vestido com um blazer estilo pagodeiro playboy e com a franja parecida com aquelas vassouras de metal para recolher folhas no inverno, com poucos e separados tufos caindo sobre a testa, eu já deveria ter desconfiado e picado a mula, como outros fizeram. Mas acabei ficando.

O cara havia sido convidado por um professor do mestrado para falar sobre a situação político-administrativa de Montpellier nos últimos 10 anos. Um assunto com o poder de ser incrivelmente desinteressante. Em uma lista feita com os assuntos mais desinteressantes da história, esse veio em terceiro. O segundo foi reservado às possíveis implicações de exames de toque em cavalos da raça mangalarga, e o primeiro ao ciclo de crescimento dos jilós. Era o tipo de tema que, se abordado em um almoço de família, não tardaria uma perna de frango atravessar voando a mesa em direção ao coitado que iniciou a conversa. Na sala de aula o problema era mais complicado, principalmente porque não havia pernas de frango disponíveis no momento.

O lado bom da intervenção é que 30 minutos após seu começo a turma estava na mesma sintonia: se possível, todos pulariam no pescoço no sujeito até que ele mudasse de assunto ou decidisse ocupar o tempo que lhe era reservado de maneira mais útil, cantando, fazendo um concurso de poesias ou ensinando técnicas avançadas de gargarejo.

Com o cérebro em modo off, eu eventualmente captava expressões como “pensar de uma nova maneira os diretórios regionais”, “reaquecer as políticas de incentivo” ou “verbas remanejadas em prol dos produtores de queijos fedorentos”. Uma das alunas divertia-se enfiando o próprio cabelo no nariz. Numa desesperada tentativa de se manter acordado, um outro furava a mão com um canivete. Havia ainda um terceiro que desenhava caricaturas do palestrante em situações não muito confortáveis, como sendo enforcado e em seguida guilhotinado, ou perseguido por uma família de leões famintos.

Uma hora e meia depois, quando os óculos do professor que o convidara já havia caído duas vezes no chão em virtude de inevitáveis pescadas, ocorreu a fantástica cena que salvou a tarde dos alunos e acabou com a do convidado.

Ele acabara de dizer “mas isso não é tudo, tem o outro lado da história que mostra toda a complexidade do assunto”. Aí fez uma pausa dramática, daquelas que só os campeões mundiais da chatice são capazes de fazer, para ressaltar a importância do que viria. De pé, no meio da sala, respirou fundo e colocou uma das mãos no bolso. O que ocorreu em seguida foi tão sincronizado com esse gesto que nas conversas posteriores alguns disseram acreditar por um instante que ele havia acionado uma máquina dentro da calça, ou algo parecido. Mas não foi isso.

Quando a classe atingira o ápice do silêncio, em suspense total, o sujeito relaxou um pouco mais e soltou inadvertidamente um baita pum. Uma bufa tão barulhenta que até acordou uma desavidada que cochilava com a cabeça abaixada na mesa.

- Bom, mas em virtude da hora adiantada, podemos deixar esses aspectos para uma outra ocasião, quem sabe. - Disse o pobre coitado, olhando para o nada, sem saber onde enfiar a cabeça.

Já os alunos sabíamos muito bem onde enfiar as nossas: fora da sala, pois a coisa já começava a cheirar muito mal. E foi isso que fizemos, com o professor correndo na frente.

Postagem retirada do blog: cherieaparis.blogspot.com

DICA DE FILME: O Segredo dos Seus Olhos

No filme, o ator Darín interpreta Benjamín Espósito. O tema que ele escolhe para o seu livro é o caso criminal que mais marcou a sua carreira no Tribunal Penal de Buenos Aires. Para ordenar as ideias, ele revê o homicídio que investigou em 1974 e termina repensando as decisões feitas no passado. Nessa busca vai tentar descobrir se consegue encerrar esse caso e alguns capítulos da sua vida. Espósito terá sempre ao lado Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil) e a companhia de Pablo Sandoval (Guillermo Francella). Ainda que possa ser um filme policial, afinal o elemento central da trama é um crime, não é uma película com muita ação. Na sua sexta semana de exibição, O Segredo dos Seus Olhos já era o filme nacional de maior arrecadação na Argentina e hoje é considerado o mais visto dos últimos 35 anos no país.O desenrolar dos acontecimentos cria um suspense envolvente e o desdobramento dos personagens contribui com boas surpresas, compondo alguns dos segredos que hipnotiza os olhos de quem vê. Em suma, a indicação ao Oscar é merecida. Agora resta saber como acaba a tal história contada por Darín.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

JORNADA NACIONAL DE LUTAS PELA REFORMA AGRÁRIA 2010

O QUE QUEREMOS NA NOSSA JORNADA
ABRIL É MÊS DE LUTA pela Reforma Agrária, quando a sua bandeira é fincada nos latifúndios e tremula nas ruas das cidades.
Um projeto que tem necessariamente que resolver dois problemas históricos, que emperram as transformações do Brasil: a estrutura agrária injusta (concentradora de terra, de riqueza e poder político), e o modelo de desenvolvimento (que sempre produziu monocultura para exportação).
Vamos trazer presente na nossa Jornada que a Reforma Agrária é um projeto de interesse de toda a sociedade, e não apenas uma disputa entre os pobres sem-terra despossuídos e os abastados latifundiários.
Se do ponto de vista do desenvolvimento capitalista a Reforma Agrária foi descartada, para nós, Sem Terra, ela continua indispensável.
Abril também é mês de apresentar propostas para o Estado. Em sintonia, temos que aproveitar a força das lutas para negociar com bancos, prefeitos, governos estaduais e federal, superintendências do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nos estados e em Brasília.
São as conquistas econômicas concretas e conquistas políticas que fazem avançar a luta pela Reforma Agrária.
Vamos retomar os pontos de pauta de agosto do ano passado, quando realizamos marchas, lutas e montamos o Acampamento Nacional em Brasília. O conjunto do governo se comprometeu publicamente em cumprir com o acordado. Confiantes no acordo, desmobilizamos o Acampamento. Temos, agora, que retomar os pontos pendentes:
1. Atualização dos índices de produtividade
Lembrar o governo da dívida e do compromisso assumido publicamente nas negociações de agosto. O compromisso era fazer a atualização até o final do ano passado. Vamos cobrar o governo para que o compromisso seja cumprido.
2. Orçamento do Incra para a Reforma Agrária
O governo prometeu complementar o orçamento de 2009 em R$ 380 milhões para desapropriação de terras. Além de o governo não cumprir, deixou de aplicar R$ 190 milhões de um pacote de áreas que já estavam encaminhadas para imissão de posse, no final de dezembro.
Vamos reivindicar que o governo encaminhe com urgência ao Congresso um projeto de lei para o suplemento orçamentário para obtenção de terras neste ano.
Como não foi feito, o orçamento de 2010 foi reduzido para apenas R$ 480 milhões e está comprometido com áreas desapropriadas no ano passado. Portanto, para que o Incra possa responder a uma meta mínima, necessita de um suplemento orçamentário de pelo menos R$ 1,3 bilhões.
3. Assentamento das famílias acampadas do MST
Apesar das tentativas da burguesia de criminalizar a nossa luta, ainda temos mais de 90 mil famílias acampadas. O governo assumiu em 2003 o compromisso de assentar todas as famílias acampadas. Isso é prioritário. Aí está a essência do enfrentamento ao latifúndio. As nossas propostas são as seguintes:
a) Priorizar desapropriações de terras para o assentamento de todas as famílias acampadas do MST, conforme as negociações de agosto. Das 8 mil famílias novas assentadas em 2009, o nosso Movimento praticamente não foi contemplado. Aliás, esse número explicita claramente a falta de prioridade do governo.
b) Garantir recursos para as superintendências nos estados planejarem metas de vistoria e avaliações de imóveis para desapropriações, além de condições para manter as equipes técnicas em campo.
c) Priorizar o assentamento de novas famílias nas regiões de maiores conflitos e de maior mobilização, onde se concentram as famílias acampadas.
4. Crédito para Implantação
Mesmo com avanços importantes em função das mobilizações nacionais, principalmente com os chamados Créditos de Instalação (fomento, apoio mulher, habitação e semiárido), as dificuldades atuais estão na aplicação dos recursos.
A maioria dos servidores do Incra tem engessado o processo de aplicação dos créditos, que tem também aumentado consideravelmente os custos e a necessidade de funcionários. Esses servidores públicos poderiam atuar em outras atividades, ampliando consideravelmente a capacidade de operação.
Vamos fazer duas propostas: a edição de uma portaria para desburocratizar a aplicação desses créditos, garantindo mais rapidez e agilidade; e o estabelecimento da unificação dos procedimentos operacionais e repasse para as superintendências.
No caso do fomento de apoio às mulheres assentadas, o crédito foi regulamentado e, desde 2000, todas têm esse direito garantido. No entanto, a maiorias das secretarias regionais do Incra não aplicaram nenhum crédito dessa modalidade.
5. Crédito de investimentos e custeio
Infelizmente, as nossas propostas de criação de uma modalidade de crédito de investimento que se adaptasse à realidade dos assentamentos não foram atendidas.
O governo mantém os assentados na linha “A” do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que é insuficiente, não atende às necessidades e criou uma geração de inadimplentes. Até agora, a opção do governo tem sido apenas fazer ajustes.
É necessário continuar a pressão para que os assentados tenham uma linha de crédito específica. No entanto, vamos construir uma alternativa de negociação, propondo perdão ou anistia a todas as dívidas dos assentamentos, para que as famílias possam acessar novo crédito.
Vamos cobrar também a regulamentação do Programa de Assistência Técnica e do Pronera, além de outros pontos específicos. A partir dessa Jornada, devemos nos preparar para apresentar propostas para mobilizar o conjunto da sociedade para, num futuro bem próximo, garantirmos a realização da Reforma Agrária, como determina a Constituição.

Postagem retirada do blog: guebala.blogspot.com

terça-feira, 20 de abril de 2010

Conselhos tutelares registram mais de 1 milhão de violações de direitos da criança

Conselhos tutelares de todo o país registraram desde 1997 no Sistema de Informação para Infância e Adolescência (Sipia) 1.002.558 violações dos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A alimentação do sistema é online e feita em tempo real, diretamente pelos conselhos tutelares. O total de violações, muda continuamente, o número indicado foi apurado nosite http://portal.mj.gov.br/sipia/ nessa sexta-feira (9).


O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) orienta que os conselhos tutelares sempre façam uso do sistema no atendimento. “A ideia é o conselheiro identificar alguma forma de violação e poder, de pronto, dentro do próprio sistema, fazer o encaminhamento correspondente”, explica Walisson Araújo, coordenador-geral do Sistema de Garantia dos Direitos da Secretaria de Direitos Humanos (SDH).


De acordo com o Sipia, a principal violação é a do direito à convivência familiar e comunitária (previsto no Artigo 16 do ECA). Mais de 467 mil ocorrências (46,66%) são relativas à falta desse direito. Além disso, o Sipia registra quase 24% de ocorrências de restrições à liberdade ou de ofensa ao respeito ou à dignidade (acima de 239 mil registros); e marca mais de 21% (acima de 212 mil registros) de desrespeito aos direitos de acesso à educação, cultura, ao esporte e lazer, obrigações do Estado.


Na semana passada, quando os registros ainda assinalavam 1.000.759 ocorrências, o perfil predominante de vítimas era do sexo masculino (53,25%) e de cor branca (62%). As ocorrências se equilibravam entre crianças de até 11 anos de idade (50,53%) e adolescentes de 12 a 18 anos (49,47%). A idade com mais registro foi de 15 anos, quase 90 mil ocorrências. Mães (256 mil registros) e pais (218 mil registros) eram, até aquele momento, os principais violadores de direitos, e a escola (46 mil registros) o local público com mais ocorrência de violações.


De acordo com Walisson Araújo, o tipo de direito violado, o perfil da vítima e dos violadores de direito não mudou desde quando o Sipia entrou no ar. "Existe aí uma rotina e constância de direitos violados e agente violador". Nesse período, "há um número muito expressivo de violações no âmbito familiar, principalmente no que se refere a castigos corporais e negligência, ao mesmo tempo em que o Estado continua sendo um grande agente violador. Apesar da universalização do ensino fundamental, ainda há registros de falta de escola e falta de informações aos pais sobre a frequência do aluno", exemplificou.


Para o ex-secretário executivo do Conanda e atual pesquisador da Universidade Católica de Brasília, Benedito dos Santos, é uma contradição social o fato de o Estado e a família, que deveriam proteger as crianças e adolescentes, serem os principais violadores de direitos.


Ele chama a atenção para a persistência do castigo físico entre as principais formas de violação de direitos das crianças e adolescentes. "Há alguma opacidade nisso, mas a agressão física passou a compor todos os rankings de violações. Em 20 anos do ECA, o Estado enfrentou pouco a violência física dentro de casa”, lamenta.


Em termos absolutos, o Paraná é o estado com mais ocorrências registradas (mais de 422 mil). Roraima é o que tem menos registros (apenas 16). O registro depende da iniciativa dos conselheiros e da capacidade instalada nos conselhos tutelares. Para melhorar o uso do Sipia e acabar com a subnotificação, a Secretaria dos Direitos Humanos está capacitando conselheiros de 1.990 municípios do semiárido e do programa Territórios da Cidadania.


Não há informação sobre o número exato de crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados. Isso porque o sistema dá prioridade às ocorrências das violações. Uma criança que é explorada sexualmente tem sua ocorrência como violação à liberdade, respeito e dignidade. Se a prática implicar o afastamento da criança da escola, o conselho tutelar também vai assinalar que a criança teve violado o seu direito à educação.


A senha de acesso ao Sipia e agendamento dos treinamentos é responsabilidade dos órgãos estaduais que lidam com a área de direitos humanos. Para localizar o contato dos administradores estaduais, os conselheiros tutelares podem ligar na SDH nos telefones (61) 2025.3961 ou 2025. 9336.
FONTE: AGÊNCIA BRASIL

Retirado do blog: guebala.blogspot.com

segunda-feira, 19 de abril de 2010

De que lado você está?

Texto de autoria de Emir Sader


Diante de alguns argumentos que ainda subsistem sobre o suposto fim da divisão entre direita e esquerda, aqui vão algumas diferenças.
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Direita: A desigualdade sempre existiu e sempre existirá. Ela é produto da maior capacidade e disposição de uns e da menor capacidade e menor disposição de outros. Como se diz nos EUA, “não há pobres, há fracassados”.
Esquerda: A desigualdade é um produto social de economias – como a de mercado – em que as condições de competição são absolutamente desiguais.
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Direita: É preferível a injustiça do que a desordem.
Esquerda: A luta contra as injustiças é a luta mais importante, nem que seja preciso construir uma ordem diferente da atual.
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Direita: É melhor ser aliado secundário dos ricos do mundo, do que ser aliado dos pobres.
Esquerda: Temos um destino comum com os países do Sul, igualmente vítimas do colonialismo e do imperialismo; há que se lutar com eles por uma ordem mundial distinta.
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Direita: O Brasil não deve ser mais do que sempre foi.
Esquerda: O Brasil pode ser um país com presença na América Latina e um agente de paz em conflitos mundiais em outras regiões do planeta.
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Direita: O Estado deve ser mínimo. Os bancos públicos devem ser privatizados, assim como as empresas estatais.
Esquerda: O Estado tem responsabilidades essenciais na indução do crescimento econômico, nas políticas de direitos sociais, em investimentos estratégicos como infra-estrutura, estradas, habitação, saneamento básico, entre outros. Os bancos públicos têm um papel essencial nesses projetos.
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Direita: Os gastos com pobres não têm retorno, são inúteis socialmente e ineficientes economicamente.
Esquerda: Os gastos com políticos sociais dirigidas aos mais pobres afirmam direitos essenciais de cidadania para todos os seres humanos.
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Direita: O Bolsa Família e outras políticas desse tipo são “assistencialismo”, que acostumam as pessoas a depender do Estado, a não ser auto suficientes.
Esquerda: O Bolsa Família e outras políticas desse tipo são essenciais para construir uma sociedade de integração de todos aos direitos essenciais do homem.
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Direita: A reforma tributária deve ser feita para desonerar aos setores empresariais e facilitar a produção e a exportação.
Esquerda: A reforma tributária deve obedecer o principio segundo o qual “quem tem mais, paga mais”, para redistribuir renda, com o Estado atuando mediante políticas sociais para diminuir as desigualdades produzidas pelo mercado.
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Direita: Quanto menos impostos as pessoas pagarem, melhor. O Estado expropria recursos dos indivíduos e das empresas, que estariam melhor nas mãos destes. O Estado sustenta a burocratas ineficientes com esses recursos.
Esquerda: A tributação serva para afirmar direitos fundamentais das pessoas – como educação e saúde pública, habitação popular, saneamento básico, infra-estrutura, acesso à cultura, transporte publico, estradas, etc. A grande maioria dos servidores públicos são professores, pessoal médico e outros, que atendem diretamente às pessoas que necessitam dos serviços públicos.
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Direita: A liberdade de imprensa é essencial, ela consiste no direito dos órgãos de imprensa de publicar informações e opiniões, conforme seu livre arbítrio. Qualquer controle viola uma liberdade essencial da democracia.
Esquerda: A imprensa deve servir para formar democraticamente a opinião pública, em que todos tenham direitos iguais de expressar seus pontos de vista. Uma imprensa fundada em empresas privadas, financiadas pela publicidade das grandes empresas privadas, atende aos interesses delas, ainda mais se são empresas baseadas na propriedade de algumas famílias.
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Direita: A Lei Pelé trouxe profissionalismo ao futebol e libertou os jogadores do poder dos clubes.
Esquerda: A Lei Pelé mercantilizou definitivamente o futebol, que agora está nas mãos dos grandes empresários privados, enquanto os clubes, que podem formar jogadores, que tem suas diretorias eleitas pelos sócios, estão quebrados financeiramente. A Lei Pelé representa o neoliberalismo no esporte.
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Direita: O capitalismo é o sistema mais avançado que a humanidade construiu, todos os outros são retrocessos, estamos destinados a viver no capitalismo.
Esquerda: O capitalismo, como todo tipo de sociedade, é um sistema histórico, que teve começo e pode ter fim, como todos os outros. Está baseado na apropriação do trabalho alheio, promove o enriquecimento de uns às custas dos outros, tende à concentração de riqueza por um lado, à exclusão social por outro, e deve ser substituído por um tipo de sociedade que atenda às necessidades de todos.
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Direita: Os blogs são irresponsáveis, a internet deve ser controlada, para garantir o monopólio da empresas de mídia já existentes. As chamadas rádios comunitárias são rádios piratas, que ferem as leis vigentes.
Esquerda: A democracia requer que se incentive aos mais diferentes tipos de espaço de expressão da diversidade cultural e de opinião de todos, rompendo com os monopólios privados, que impedem a democratização da sociedade.
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Postagem retirada do blog: botequimdobruno.blogspot.com

sexta-feira, 16 de abril de 2010

UM BOM FIM-DE-SEMANA A TODOS E A TODAS

Desejamos a todos um ótimo fim-de-semana. Retornamos segunda-feira com mais postagens. Um abraço.

DICA DE FILME - LEÕES E CORDEIROS

Sinopse: O senador Irving (Tom Cruise) pretende lançar sua nova “estratégia completa” para a guerra dos Estados Unidos no Afeganistão e, para divulgá-la, precisa convencer a jornalista Janine Roth (Meryl Streep). Simultaneamente o dr. Stephen Malley (Robert Redford), um professor idealista, tenta convencer Todd (Andrew Garfield), um de seus alunos mais promissores, a mudar o curso de sua vida. Ao mesmo tempo Ernest (Michael Peña) e Arian (Derek Luke) são soldados que estão lutando nas montanhas geladas do Afeganistão, buscando se lembrar do porquê de terem se alistado no exército americano. O título de Leões e Cordeiros é uma referência ao comentário de um oficial alemão da Primeira Guerra que comparava a coragem dos soldados ingleses e a estupidez de seus comandantes. A proposta do filme é uma reflexão sobre as guerras que o mundo sofre desde o ataque em onze de setembro

LEITURA - As Cartas e o Tempo

(...) A questão das cartas é uma questão complexa em que o tempo tem tudo a ver e haver. É que entre o receber das cartas e o lê-las há, para mim, um hiato de angústia que não depende nem da natureza nem do conteúdo das cartas. É mais uma espécie de hesitação indefinida, uma quase vontade de não ler, de não tomar conhecimento, de dispensar a informação emocional ou meramente referencial que as cartas veiculam com o seu inevitável recuar no tempo, porque mesmo trazendo possíveis novidades ou informações até aí desconhecidas, as cartas chegam sempre depois...chegam sempre atrasadas...O hoje da recepção e da leitura vem sempre depois do hoje da escrita e do envio, que agora é já um ontem, e esses dois hojes, sendo desfazados no tempo, contêm a possibilidade quase certa e angustiante de aquilo que nas cartas se lê já não corresponder que está acontecendo. No amor esta dúvida, esta incerteza podem ser fatais...O hoje que leio é já um ontem do que foi escrito...É isso que me desagrada e ao mesmo tempo me atrai desagradavelmente...essa intromissão do passado que as cartas me trazem no presente que estou vivendo, enquanto fico sem nada saber do presente simultâneo de quem me escreveu...

(Trecho de "Carta-Ensaio" de E.M. de Melo e Castro. In: Galvão, Walnice Nogueira e Gotlib, Nádia. Prezado Senhor, Prezada Senhora: Estudos sobre Cartas. São Paulo, Cia. das Letras, 2000)

quinta-feira, 15 de abril de 2010

PLP 549/09 - Hoje é dia de luta!

Ações unificadas com outras entidades, como segue:



1. A Marcha que está programada para o dia 15 de abril, aprovada na plenária da CNESF, e que foi proposta pela FASUBRA em sua plenária de janeiro, ganhou uma proporção maior. O conjunto de entidades abraçaram a proposta, e as perspectivas são de um ato de proporções maiores do que o inicialmente previsto. Isto demonstra que o momento é de unidade para derrotarmos este projeto, o qual destrói os serviços públicos e congela os salários por um período de 10 anos.



2. A elaboração de 3 documentos:

- para as bases dos trabalhadores

- para a população

- para os Parlamentares.



3. Também ficou acertado que será solicitado o agendamento de Audiências Publicas junto ao relator do PLP e à Frente em Defesa do Serviço Público.



4. Foi acertada a realização de um café da manha com os Deputados no Congresso Nacional, entre os dias 5 e 14 de abril.



5. Ficou também acordado orientar as bases para fazerem pressão nos Estados, reavivando as frentes estaduais em defesa do serviço público, com ações, como:

ü Distribuição de material da Frente para conscientizar as bases e a população sobre os efeitos do PLP 549 e cobrar dos Deputados compromisso com os serviços públicos e posicionamento de rejeição ao referido PL;

CARTA AOS PARLAMENTARES - PLP 549/09

Brasília-DF, 24 de março de 2010

Senhores Parlamentares,

A FASUBRA Sindical, entidade nacional representativa dos(as) trabalhadores(as) técnico-administrativos em educação das Universidades Brasileiras, tem um compromisso histórico na luta pela construção de um modelo de Estado, que cumpra com o papel de transformação da sociedade, que passa pelo investimento prioritário em políticas sociais públicas, como educação, saúde, preservação do meio ambiente, cultura, enfim todos direitos que garantam o pleno exercício da cidadania e, consequentemente, o cumprimento do papel do Estado, enquanto gestor dessas políticas.

No início do segundo mandato do Governo Lula, tramitou nesse Congresso o PLP 01, com premissas que contrariam o investimento nessas políticas, pois limita a expansão do Estado em índices, que comprometem o desafio histórico que o Brasil deve enfrentar.

Graças a nossa luta e ao comprometimento dos parlamentares que comungam com o princípio de que recursos para políticas públicas não são gastos e sim investimento, conseguimos, por um período, impedir inviabilizar ou paralisar sua tramitação.

Infelizmente, volta a tramitar nessa Casa na forma do PLP 549/09 (oriunda do Senado cujo numero era PLS 611/07), a mesma proposta determinando que o aumento das despesas com pessoal até 2019 ficará limitado ao reajuste com base na inflação do ano anterior, acrescido de 2,5% do aumento real da folha de pagamento. Isto significa que os trabalhadores do serviço público federal, mais uma vez, enfrentarão a ameaça do congelamento de seus salários.

Para nós, representantes dos trabalhadores técnico-administrativos em educação das Universidades Publicas deste País, este projeto significa congelamento do Estado, afinal, com este limitador a expansão ou mesmo a reposição do quadro de pessoal estará inviabilizada. Isso, na prática, representa a diminuição gradual da prestação de serviços públicos à população, por parte do Estado, agravada ainda pela grande maioria dos atuais trabalhadores em fase de aposentadoria, e a insegurança provocada por esse limitador, no tocante a novas contratações.

Para nós, o Estado tem que cumprir com o que determina a Constituição Federal quanto a sua competência para executar políticas públicas como saúde, educação, assistência social, entre outras.

Para a FASUBRA, estas políticas devem ser executadas por trabalhador ingresso no serviço público através de concurso público.

Em nossa opinião o Governo deveria construir uma legislação que limite o investimento em recursos para o superávit primário e não para políticas públicas. Os pagamentos com a amortização da divida ainda é muito alta para quem faz publicidade de estar emprestando dinheiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

O Brasil precisa continuar investindo em concursos públicos, para responder à demanda histórica de trabalhadores dessa área; precisa valorizar e capacitar o quadro de trabalhadores públicos para, consequentemente, promover maior qualidade nesses serviços à cidadania. Por isso, somos contrários ao PLP 549 que está na contramão da história do desenvolvimento deste país, contradizendo com o projeto apresentado de ampliação e fortalecimento do Estado brasileiro.

Os trabalhadores técnico-administrativos das Universidades firmaram um acordo com o governo, cujo resultado financeiro se expira com a última tabela em julho de 2010.

Até o presente momento, o governo sequer agendou reunião para apresentar uma proposta de reajuste para estes trabalhadores. Isto significa que não teremos reajuste nenhum em 2011. No entanto, continuamos sendo o menor piso e teto de todos os trabalhadores do serviço público federal.

Além disso, o governo apresenta, através do MEC, proposta de expansão das Universidades, que necessita de pessoal qualificado, do quadro regular, para desenvolver as atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. Esta ação demandará ampliação de vagas e concurso público, o que ficará comprometido com o PLP 549.

Senhor Parlamentar, queremos afirmar que a nossa luta não é apenas corporativa. Não lutamos apenas por salários. Queremos que o Brasil, de fato, avance e se transforme, com abertura de concursos públicos, salários justos para o conjunto dos trabalhadores do serviço público, com mais educação de qualidade, saúde, moradia, empregos, enfim, com mudanças que promovam a justiça social, diminuindo as desigualdades sociais ainda existentes em nosso país.

Diante do exposto, mais uma vez, esperamos contar com o apoio e compromisso já demonstrado por Vossa Excelência, por ocasião da tramitação de PLP’s e PEC’s que comprometem desenvolvimento de uma nação livre e soberana voltada para os interesses de sua população.

É nossa expectativa que os Senhores Deputados, não referendem a posição dos senhores SENADORES DA REPUBLICA, não permitindo que este PLP seja aprovado.

Na mesma lógica, ampliando para a compreensão da garantia da democracia no debate da Constituição Federal, apelamos para o comprometimento dessa Casa no sentido de rejeitar a PEC 341/09, que retira dos artigos da CF/88 itens importantes, que hoje se constituem em direitos sociais da população.

Estamos convictos que a Constituição precisa ser regulamentada e implementada. A retirada de artigos do seu texto significa um retrocesso em todo o processo da construção da Constituinte 88, do ponto de vista da participação ativa da cidadania. Caso esta PEC seja aprovada, significará um retrocesso das políticas públicas em nosso em país.

FASUBRA Sindical

quarta-feira, 14 de abril de 2010

MST diz que Jornal Nacional prepara denúncia “fake”

Via Paulo Henrique Amorim

Caros amigos,

Recorremos nesse momento a vocês, porque vocês sabem como acontecem as coisas na Globo.

Vejam como usar nas páginas de vocês da melhor forma possível.

Em torno das 18h30, ligou uma produtora da TV Globo para o nosso escritório de Brasília, dizendo que a Kátia Abreu, da CNA, tinha entregado ao Ministério da Justiça um DVD com vídeos e fotos de suposta tortura praticada por militantes do MST.

De cara, a nossa assessora em Brasília pediu as tais imagens. Como comentar imagens sem vê-las? De início, eles se negaram.

Eu liguei para a tal produtora e pedi para que me explicasse se era isso mesmo: o Jornal Nacional ia colocar no ar um vídeo de supostas imagens contra o MST que não tinham nenhuma credibilidade se não uma entidade de classe, a CNA? Tem algum sentido o MST dizer que é o vídeo é falso, depois de 10 segundos das imagens de tortura?

Depois de insistir, resolveram nos mandar o vídeo.

Logo depois, ligou uma repórter – a produtora que estava em contato saiu de circulação. A repórter queria uma posição do MST. Respondemos que a posição do MST era a seguinte: passar imagens sem ter a confirmação da autenticidade era uma irresponsabilidade?

Aí a repórter disse que não iam mais passar as imagens. Que de fato não tinham a confirmação da autenticidade. Depois de um pouco de conversa, ela disse o seguinte: que eu poderia ficar tranqüilo, que as imagens estavam com baixa qualidade (ou seja, foi falta de comprovação de autenticidade ou qualidade?).

Vamos ao vídeo. Vejam em http://www.cna.org.br/email/CNA/MST.zip (Nota do site: SÓ CLIQUE AO LADO SE VOCÊ QUISER BAIXAR O VÍDEO PARA O SEU COMPUTADOR)

Na primeira parte, as denúncias são contra o MLST (podem reparar que dizem MLST). Logo depois, um homem dá um depoimento em frente a uma bandeira que não é do MST (podem reparar com atenção).

Depois, proprietários dão depoimentos sobre destruição. Sem nenhuma prova de que é o MST. Sem nenhum elemento. Apenas a palavra do depoente.

Em seguida, atacam o Incra. Aparece apenas a palavra do proprietário. Não há provas.

Depois, imagem de um caminhão carregando toras de madeira. E nada que prove que é o MST.

Em seguida, a fala do Joao Pedro sobre os inimigos do MST – e qual o problema?

Na parte posterior, pichações. E só.

Aí está toda a história. Denunciem no blog de vocês e, como o Paulo Henrique nos ensinou, com dinamismo

Espero que vocês nos ajudem na luta contra o Jornal Nacional da Globo e pela Reforma Agrária.

Saudações,

Igor Felippe Santos
Assessoria de Comunicação do MST
Secretaria Nacional – SP

Em tempo: Ah, e para completar, para não deixar dúvidas: o MST defende e respeita os direitos humanos, não tem entre seus procedimentos tortura e qualquer prática contra a pessoa humana e, nesses 25 anos, quem foram torturados e morreram nesse país foram os trabalhadores rurais sem terra (mais de 1500 de 1984 pra cá).

terça-feira, 13 de abril de 2010

Solidariedade às lutas dos professores de São Paulo

O direito de greve foi conquistado com a pressão dos trabalhadores e trabalhadoras por melhores condições para exercerem as suas atividades. Dessa forma, as sociedades avançaram em todo o mundo, com a consolidação das legislações trabalhistas para garantir direitos aos trabalhadores e deveres ao capital.


Os professores da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo estão em greve desde 8 de março, portando na sua mobilização toda a mística das lutas históricas do Dia Internacional das Mulheres.


Na greve, apresentam uma pauta de negociação que reivindica reajuste salarial de 34,3%, a incorporação das gratificações e extensão aos aposentados, um plano de carreira justo e a garantia de emprego. O salário base de um professor alfabetizador de Educação Básica I é de R$ 785,50. Já os professores de Educação Básica II recebem R$ 909,32.


Dois dados para efeito de comparação, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A cesta básica na cidade de São Paulo, a segunda mais cara do país, custa R$ 229,64 - isso é quase 30% do salário de um educador só para comer o básico. Já o salário mínimo necessário, de acordo com o preceito constitucional, deveria estar na base de R$ 2.003,30.


No momento em que as centrais sindicais e os movimentos populares fazem uma grande campanha pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, o governo de São Paulo, comandado por José Serra (PSDB), atua de forma intransigente e reprime violentamente os protestos de professores.


Os protestos dos grevistas sofreram uma forte repressão da Polícia Militar. Mais uma vez, os direitos de organização e manifestação previstos na Constituição são desrespeitados. A PM paulista infiltrou até mesmo soldados numa passeata com 30 mil educadores pelas ruas da capital paulista. Depois de 25 anos da derrota da ditadura militar, manifestantes são monitorados e lideranças listadas para posterior perseguição, além da criação de tumultos para desmoralizar a greve.


Dessa forma, o governo Serra repete os métodos de criminalização de viés fascista da gestão Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul. A ausência de diálogo, violência física, processos judiciais (nos âmbitos civil e criminal) e perseguição política caracterizam o tratamento das lutas dos trabalhadores pelos governos conservadores.


Temos denunciado o processo de criminalização das lutas sociais, a perseguição dos movimentos populares, sindicais e estudantis e a interdição de qualquer conquista da classe trabalhadora. O governo Serra pretende derrotar a greve dos professores e abrir caminho para uma ofensiva contra os direitos sociais e trabalhistas do povo. Dessa forma, pretendem repetir a ação do governo Fernando Henrique Cardoso contra a greve dos petroleiros em 1995.


O nosso movimento, que vem enfrentando um processo duro de criminalização, liderado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, pela bancada ruralista no Congresso Nacional (foram criadas três CPIs em oito anos para nos investigar) e pela mídia burguesa, manifesta apoio à luta dos educadores.


Vamos organizar, ao lado das centrais sindicais, movimentos populares e organizações estudantis, uma grande campanha nacional de apoio aos professores e contra a criminalização das lutas sociais.


As reivindicações são justas e necessárias, ainda mais porque a educação deve ser a prioridade no país. Se os professores, que exercem uma das atividades mais nobres na nossa sociedade, são tratados dessa forma, não podemos esperar nada além do que violência como resposta às lutas da classe trabalhadora que ainda virão.

SECRETARIA NACIONAL DO MST

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Mentirosa e incompetente: imprensa divulga informações falsas sobre a CONAE

Apesar de muitos de nós já estarem acostumados, a postura da imprensa brasileira frente ao que considera (ou não) “relevante” beira, muitas vezes, a irresponsabilidade – fugindo por completo do compromisso, que gosta de reivindicar para si, de prestadora de serviço de interesse público. Assim, seria cômico, se não fosse lamentável, observar e constatar o deliberado desinteresse da grande mídia nacional em relação à realização da primeira e histórica Conferência Nacional de Educação – uma atividade que reuniu mais de três mil delegados e debateu, em sua etapa nacional, durante cinco dias, sobre as diretrizes do setor educacional brasileiro.

A Conferência, que mobilizou sociedade civil e Poder Público em um debate inédito sobre os rumos da educação no Brasil, não foi “digna” de sequer uma linha nos principais veículos de comunicação da massa do País. E, infelizmente, os poucos que se manifestaram o fizeram de maneira oportunista, superficial e equivocada – tendo sido noticiadas, e exploradas, informações falsas, em função de distorções ideológicas e da incompetência dos profissionais envolvidos.

Podemos citar, mais especificamente, dois jornais de grande circulação e bastante influência na agenda pública brasileira: Valor Econômico e O Estado de São Paulo. Talvez em função de uma cobertura viciada em procurar defeitos (e criar escândalos), acompanhamos a publicação de textos com erros de informação e apuração, redigidos de maneira equivocada e confusa – deixando explícito o despreparo e a má intenção dos veículos.

Para entender melhor: o Valor divulgou a informação de que teria sido aprovada na Conferência Nacional de Educação uma proposta de criação de uma agência reguladora para o setor educacional. E ainda colocou, como sendo declaração do Secretário de Assuntos Educacionais da CONTEE, José Thadeu de Almeida, uma informação distorcida e mal interpretada – que dava a entender que a proposta havia de fato sido aprovada. Segundo o Secretário da CONTEE e membro da Comissão Nacional Organizadora da CONAE, “em lugar nenhum e em nenhuma emenda aprovada, e nem mesmo entre as não aprovadas, há a proposta de criação de agência reguladora para educação. Posso garantir. Ou seja, esse é um debate estéril”. Se isso já não fosse suficiente, o Estadão publicou outra reportagem e também um editorial falando sobre o mesmo tema e criticando os resultados da CONAE, que seriam, segundo o jornal paulista, baseados no “dirigismo estatal” e na “supressão da liberdade de iniciativa no setor”.

O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e membro da Comissão Organizadora da CONAE, Daniel Cara, também manifestou indignação com as reportagens. Segundo carta enviada por Cara ao Fórum de leitores do Estadão: “o editorial do Estadão comete equívocos ao comentar as deliberações da Conferência Nacional de Educação (Conae). Em primeiro lugar, a Conae deliberou pela construção do Sistema Nacional Articulado de Educação a partir da cooperação e colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ou seja, não defendeu qualquer caráter de centralização da gestão educacional por parte do Governo Federal, como aponta o texto. Pelo contrário, a Conae reforçou o papel das secretarias municipais e estaduais de educação determinando, inclusive, que os gestores educacionais sejam os gestores dos recursos da educação, o que infelizmente não ocorre hoje. (...) Por último, a Conae não deliberou necessariamente por uma agência reguladora da educação privada e sim por mais regulação no setor, o que é desejável haja vista a baixa qualidade da maioria dos cursos oferecidos nas instituições privadas (...)”.

Quem também manifestou sua indignação frente ao fato da imprensa ter ignorado a realização da CONAE foi o Professor emérito da Unicamp, Dermeval Saviani, que teve sua mensagem publicada no Painel do Leitor do jornal Folha de São Paulo: “A mídia, de modo geral, incluída a Folha, comunga com empresários e políticos o discurso, mais ou menos unânime, de que a educação, na dita "sociedade do conhecimento", em que nos encontramos atualmente, é a coisa mais importante, devendo ser, portanto, a prioridade número 1 dos governos e da sociedade como um todo. No entanto, assim como os governos relutam em traduzir a referida prioridade em mais investimentos, a mídia também se nega a traduzi-la no noticiário referente às iniciativas educacionais. A semana que passou foi palco de um dos principais acontecimentos da educação brasileira: a Conferência Nacional de Educação (Conae), aberta em Brasília na noite de 28 de março, e encerrada no dia 1º de abril. (...) Apesar da grande importância desse acontecimento, a mídia falada e escrita nada publicou a respeito. Acompanhei como assinante a Folha para ver o que seria publicado sobre o assunto. A Conae se encerrou e nada encontrei. Como explicar essa omissão da mídia diante de algo que ela mesma proclama como de transcendental importância? Seria tal proclamação apenas dominantes e dirigentes no que se refere a uma educação que efetivamente venha a propiciar a toda a população brasileira uma visão clara e consistente da situação em que vive?".

Conduto, tais falácias certamente não serão desmentidas pelos veículos de comunicação. No máximo, o que poderemos ver será a publicação destas ou de outras cartas alertando sobre as informações falsas. O que nos obriga, lamentavelmente, a constatar o comprometimento ideológico da imprensa brasileira – voltado exclusivamente aos interesses privados. Além de seu partidarismo e sua conduta tendenciosa e, pior, incompetente.

Assim, caro leitor, se você deseja informações sobre as deliberações, as conquistas e os importantes avanços aprovados na CONAE, mude de canal, rasgue seu jornal, visite outros sites e portais. Não será pelos olhos vidrados pelo poder dos barões da mídia nacional que você encontrará o eco das reivindicações históricas dos trabalhadores, dos estudantes e do povo brasileiro.

* Daniele Moraes é assessora de Comunicação da CONTEE

sexta-feira, 9 de abril de 2010

CRÔNICA

O ACASO E O DESTINO
André Masini

Certas vezes eu me ponho a pensar sobre essa intricada e incompreensível trama que é nossa vida... e me pergunto se por detrás dela não existe algum tipo de ordem ou razão...

Minha formação original são as ciências naturais; e minha tendência espontânea é a de acreditar que as únicas razões ou ordem que existem são as leis da física, da química, da biologia... e que tudo o mais são coincidências ou brincadeiras do acaso.

Mas que pensar das vastas regiões que se escondem além do horizonte da ciência? É certo que não podemos conhecê-las, mas às vezes... certos vislumbres...

Eu contarei aqui uma história que aconteceu comigo... (nada de grandioso; é uma história simples, quase ingênua... ) Contarei sem pretensão de tirar conclusões. Deixo-as para o leitor.

Quando cheguei ao Paraná, em dezembro de 1997, eu atravessava um desses momentos difíceis da vida. Acabara de me separar da mulher com quem vivera por 8 anos, e estava indo tomar posse (como Fiscal da Receita Federal) em uma pequena cidade agrícola de população predominantemente masculina, onde todas as mulheres entre 18 e 80 (temia eu) seriam casadas ou freiras.

Após ter passado uma semana aqui em Cascavel para conhecer a Delegacia da Receita, eu, muito a contragosto, arrumava as malas para partir para a tal cidadezinha. Era uma triste tarde de domingo, e, olhando pela janela do quarto de hotel, comecei a fazer um balanço de minha vida: Materialmente, eu agora tinha a estabilidade do emprego público... Mas isso era meu único consolo... Uma mulher com quem eu pudesse me entender, parecia algo remoto... O sonho de editar meus livros, mais remoto ainda...

Se lá em São Paulo, perto de todas as editoras, e distribuidoras, e feiras, e tudo mais... com amigos na imprensa e entidades culturais, eu em vinte anos não havia conseguido nada!... que poderia eu esperar de agora em diante?

Pensei na minha coleção de cartas de recusa de editoras... Pensei nas escolhas que eu tinha feito na vida... Não teria sido melhor ter ficado na Itália em 1986? ter feito doutorado, permanecido geólogo e esquecido o sonho de escrever?

Quantas portas já se haviam fechado!

Então uma frase amarga se formou em minha mente:

"Isso não foi o que eu planejei para mim!"

Tendo acabado de juntar as roupas espalhadas pelo quarto, eu agora catava os apetrechos do banheiro. Então vi que o sabonete, dentro do boxe, estava molhado...

"Como vou levar isso?"

Procurei na mala por algum pedaço de plástico para enrolá-lo. Mas não encontrei nenhum. Então, não sei por que motivo, veio-me à mente a imagem da pequena cômoda da ante-sala, junto à porta de entrada:

"Talvez alguém tenha deixado um saco plástico lá, em uma das gavetas..." pensei.

Sempre cabisbaixo, caminhei até a cômoda e abri a primeira gaveta. Estava vazia.

Meus pensamentos divagavam longe. Que sonhos ainda me restavam?

A segunda gaveta também estava vazia.

"Isso não foi o que eu planejei!" A amarga frase ocupava minha mente como um gigantesco outdoor, quando eu abri a terceira e última gaveta.

E lá havia... uma saboneteira! (Isso não foi o que eu planejei!) Uma saboneteira amarela, vazia... como se tivesse sempre estado lá, esperando por mim, esperando por aquele momento.

Tive a fortíssima sensação de que a vida queria me dizer algo:

– Por que você quer controlar tudo? ... eu posso lhe oferecer algo melhor do que aquilo que você próprio planejou... Você sabe tão pouco...

Depois disso, muita coisa aconteceu. Voltei para Cascavel. Fiquei gravemente doente e me curei. Passei dias difíceis. Mas aqui, de algum modo, eu acabei compreendendo que meu caminho seria fazer edições independentes de meus trabalhos. Hoje tenho esta coluna, dois livros publicados, e a cada dia alcanço novos leitores. Aqui conheci minha mulher, Elizangela, e ganhei minha filha, Talita, os dois maiores presentes que a vida já me deu... Aqui... onde eu não planejei.

Coincidência?

Sinceramente, eu não sei.

Mas, afinal, de que adiantaria saber? ("Nós sabemos tão pouco...") Se existe uma tal ordem, a única coisa certa é que nenhum de nós pode compreendê-la ou controlá-la. Coisas ruins e boas acontecem... por acaso. Mas acaso talvez seja apenas o nome dos motivos que estão muito além do que alcançamos compreender, e do que jamais alcançaremos.

DICA DE FILME - GUERRA AO TERROR

Se há algo que Guerra ao Terror passa com eficiência ímpar é essa sensação desoladora de saber... mas não poder agir. Guerra ao Terror deixa claro desde o início o que quer provar. Em uma citação que surge na tela sem explicações, uma frase permanece por mais tempo: a guerra é uma droga. E nós, seres humanos, somos potenciais viciados. É difícil explicar a sensação, mas assistir a Guerra ao Terror é como ter uma dose baixa, inofensiva quase, dessa droga. Quando você menos esperar, vai estar hipnotizado, querendo mais. Não há um final de verdade em Guerra ao Terror, porque a guerra ainda não acabou, e, provavelmente, nunca irá acabar. Ficar ao lado de soldados tão dedicados e tão diferentes por breves duas horas é como ver crescer um sentimento ambíguo que, por breves momentos, é verdadeiro. Poderoso, até, a ponto de fazer subir aquele arrepio pela espinha e a ponto de fazer a câmera se tornar nossos próprios olhos, observando algo que odiamos, que causa repulsão. Mas, ainda assim, algo que parece natural. A pergunta que fica: por quê? Não importa. Não para as vidas que se perdem na batalha, pelo menos.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Entrevista / Boaventura de Sousa Santos

Uma mudança nos rumos da esquerda

Para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, algo está “diferente” na esquerda, em especial na latino-americana: “os movimentos estão reclamando a sua autonomia, suas agendas, e não passam o cheque em branco aos partidos”, analisa, ressaltando também a importância das organizações indígenas nesse novo cenário

por Vanessa Marx

Le Monde Diplomatique Brasil – Qual a formação política para ser de esquerda hoje?

Boaventura de Sousa Santos – Ogrande problema é saber o que é ser de esquerda hoje. No século XX havia duas esquerdas e nenhuma delas considerava que a outra era de esquerda. Era a divisão entre os partidos socialistas e os partidos comunistas, quando da primeira guerra mundial. Os comunistas nos anos 1920 consideravam os socialistas como sociais-fascistas. Portanto, no parlamento francês, mas sobretudo no inglês, o partido comunista criticava sempre qualquer melhoria que se pudesse obter por via eleitoral por acreditar que só uma transformação revolucionária é que poderia dar aos trabalhadores e à população em geral o bem-estar que eles mereceriam. Portanto, temos uma tradição de duas esquerdas, uma ferozmente anti-socialista e outra ferozmente anticomunista. Essa tradição continua marcando a Europa com muita veemência.

A América Latina teve também essa divisão. Basta olhar o comportamento do partido comunista, que inicialmente não aceitou a revolução cubana por não ser originária dele; na corrente socialista, extremamente agressiva do ponto de vista da orientação socialista, que foi Salvador Allende. Nós tivemos sempre a tradição de várias esquerdas no continente. Hoje são todas democráticas, como elas se autodenominam. Mesmo as que se reivindicam revolucionárias chegaram ao poder por esta via ou lutam para fazê-lo por meio dela, pelas eleições. O partido no governo em El Salvador veio da guerrilha. Selou a paz e hoje se considera revolucionário, mas sua revolução é a democrática. No caso do Partido Socialista Unificado da Venezuela, ou do próprio Aliança País, do Equador, estes são partidos-movimentos que se reivindicam de uma esquerda revolucionária, mas igualmente democrática.

Qual a diferença? A esquerda revolucionária tem como horizonte o socialismo do século XXI, do futuro, numa designação que no fundo não sabemos o que é. A esquerda progressista ou centro-esquerda é aquela que não põe no horizonte o socialismo, ou seja, acha que é possível fazer uma melhoria significativa no bem-estar das populações por meio da via democrática, nos marcos em que ela está. Temos aqui o exemplo do PT e da Concertación chilena, que procuram repolitizar o público. De fato, o PT tem uma função extraordinária, aquilo que a gente chama repolitizar o público depois do neoliberalismo, dando outra consistência às políticas públicas e outro papel ao Estado, muito mais forte, mais interventor, mas que não tem a pretensão de mudar o modelo econômico.

Assim, quando me perguntas qual a formação para ser de esquerda, eu tenho que perguntar, para que esquerda?

Hoje há outro tipo de movimentação social. E o Fórum Social Mundial teve um papel muito importante nisso, pois mostrou que os partidos não detinham o monopólio de representação política dos movimentos populares. Há hoje uma convicção de que a esquerda, qualquer que seja a sua orientação, se apóia nos movimentos sociais e não pode se distanciar deles. Nem sempre essa ligação é a melhor, nem sempre ela é compreendida: ainda temos resquícios de uma tentativa de monopolizá-los, de se apropriar deles, de eliminar a sua autonomia, colocá-los a serviço das agendas eleitorais. Mas acredito que algo está mudando, os movimentos estão reclamando a sua autonomia, suas agendas, e não passam o cheque em branco aos partidos. Eu penso que a mobilização social é crucial a toda a formação de esquerda.

Outro aspecto, no meu entender, é uma revolução epistemológica. A esquerda na América Latina, na África e na Ásia não pode, de modo nenhum, centrar-se exclusivamente no conhecimento eurocêntrico. A própria tradição marxista, na medida em que continua a ser uma referência para muita gente de esquerda, eu incluído, tem que ser profundamente transformada. Tem que ser ou um marxismo plurinacional ou um que entenda de fato o debate civilizacional em que estamos neste continente, onde os movimentos indígenas, de alguma maneira, trouxeram para a agenda política outros padrões de desenvolvimento.

Tomemos, por exemplo, o conceito de suma causa, que em quéchua designa o buen vivir ou viver bem, na Constituição do Equador e na da Bolívia. Da mesma forma, lembremos dos direitos da pacha mama, no Equador. Trata-se de uma outra concepção da natureza, da necessidade de termos uma relação harmoniosa com ela, de preservarmos os bens que nós chamamos naturais e que neste momento são mais um capital social do que um capital natural. Eu penso que há aqui uma mudança cognitiva, epistemológica, em que a esquerda tem que aprender muito e tem que desaprender muito, por incrível que pareça. Por quê? Porque todo o pensamento crítico foi criado em cinco países da Europa no final do século XIX e início do século XX, em especial na Inglaterra ou na França, na Alemanha e na Itália; depois um pouco também nos Estados Unidos. Porém, as transformações mais inovadoras e mais progressistas no mundo não ocorrem no Norte, ocorrem no Sul.

Já havia alguns sinais disso. Os orçamentos participativos, que se conhece muito bem, foram uma inovação que a Europa recebeu da América Latina. E agora existe o debate sobre o socialismo do século XXI. São grandes novidades que a teoria crítica eurocêntrica não tem capacidade de absorver. Não tem, por exemplo, capacidade para absorver uma das coisas fundamentais nos nossos dias, não há transição para outra sociedade, para um socialismo do século XXI ou para o que se quiser, se essa transformação não for acompanhada por uma ruptura com a tradição do colonialismo, para a descolonização.

As lutas inter-raciais, os direitos coletivos dos afrodescendentes e dos indígenas, a plurinacionalidade, tudo isso conota o quê? Uma mudança cognitiva. O marxismo chegou a entender que o colonialismo era uma força de progresso porque trazia as colônias para a área do desenvolvimento econômico. Eu penso que há uma grande divisão na esquerda sobre isso, pois o colonialismo não terminou: ele continua hoje no racismo, nas dificuldades de acesso aos bens públicos por parte das minorias. No Brasil, recentemente concluiu-se que a democracia racial não é uma realidade, é um projeto. E, como projeto, tem de ser levado a cabo através de políticas públicas adequadas. Daí as ações afirmativas através de cotas.

Diplomatique – Em relação ao trabalho que você está fazendo com a universidade popular1 e com os movimentos sociais, a formação popular ou para a cidadania, ela incide nas políticas públicas?

BSS – A cidadania é um conceito muito complexo na medida em que foi criada fundamentalmente para solver indivíduos dentro dela. Não abrange todos os indivíduos que habitam num país, como os imigrantes, e todos aqueles que durante muito tempo nem sequer tiveram o direito do voto, como as mulheres, mas a conquista da cidadania é uma conquista individual, é para se conquistar a inclusão individual num contrato social. Há muitas pessoas que durante um longo tempo sequer tiveram o direito ao voto, como as mulheres. A conquista da cidadania é individual, é uma inclusão particular num contrato social.

Nós hoje vivemos num mundo em que os conceitos de cidadania estão sendo complexificados. Falamos de cidadania cultural, falamos de cidadania ativa, falamos de revolução cidadã – veja o caso do Equador. Se nós usarmos os conceitos liberais, revolução cidadã é praticamente uma contradição porque os cidadãos nunca fazem revolução enquanto indivíduos, só quando se organizam em partidos e em movimentos. Portanto, a cidadania é um conceito hoje em disputa: são conceitos individuais, coletivos ou uma articulação entre eles. Penso que não existe um conflito necessário entre direitos coletivos e individuais: os direitos coletivos criam condições para que os direitos individuais sejam efetivamente investidos.

Trata-se de criar igualdade material, e não apenas formal. Isso se aplica às mulheres, aos afrodescendentes, aos indígenas e demais minorias. Quando falamos em cidadania, falamos no registro individual ou individualista. Quando falamos no movimento popular, falamos no registro da organização das classes populares que tradicionalmente tiveram apenas dois grandes modelos para tal: o partido e o sindicato.
As políticas públicas, seja numa perspectiva de cidadania, seja numa perspectiva dos movimentos populares, têm a ver com quem as demanda, quem determina o seu perfil. Num ponto de vista de movimento popular, as políticas públicas surgem de baixo e são construídas a partir das necessidades do povo. Há uma dimensão coletiva da organização dos movimentos populares que vai determinar a amplitude das políticas públicas, por exemplo, o papel que teve e tem o movimento da saúde.

Mas é evidente que existem formas de cidadania ativa também com organizações, ainda que estas não tenham tanta consciência da sua coletividade. Há misturas muito interessantes do ponto de vista de teoria política. São bons exemplos o orçamento participativo e a democracia participativa; ou agora os conselhos municipais, estaduais, de saúde, habitação e previdência. São formas de participação muito fortes que vêm da tradição liberal da cidadania e que têm sido aprofundadas para além do próprio liberalismo, apresentando algo coletivo.

Daí a disputa que nós temos hoje no recorte das políticas no Equador e na Bolívia ou aqui no Brasil, como é o caso da educação intercultural e das políticas de saúde. Como é que se articula na Amazônia a saúde pública eurocêntrica e a ancestral, que é riquíssima? Isso só é possível porque há movimentos sociais que deram visibilidade a esses outros conhecimentos. É por isso que, por trás de uma revolução epistemológica, está outra maneira de conceber a saúde e a educação.

Diplomatique – Estamos falando em formação popular ou em formação para a cidadania?

BSS – A educação para a cidadania teve sempre um registro individualista na sua origem, assim como a polarização entre o educador e o educado. Ou seja, a inclusão dos excluídos faz-se a partir do ponto de vista dos incluídos. São eles que determinam, decidem e veem em certo momento o que é exclusão, em que ela consiste e, a partir daí, desenvolvem políticas para eliminá-la. Portanto, o registro da cidadania tem em si vieses não só individualistas como paternalistas e até populistas, na medida em que a relação entre educador e educado, incluído e excluído, se dá a partir do educador e a partir do incluído, que determinam os padrões de exclusão e de inclusão.

No registro popular, as coisas se passam de uma maneira diferente. É uma linguagem que tem outra história, outra orientação política.

Aí, não só a justificativa não é individualista, como por outro lado, a educação não tem essa polarização de educador e educado, reivindicando o conhecimento popular.

No meu trabalho, por meio do conceito de ecologia do saber, todos somos sujeitos do conhecimento, todos somos ignorantes de alguma forma e sabedores de outra. Portanto, temos de aprender a respeitar os diferentes conhecimentos que são úteis para algumas coisas e não o são para outras. Isso acontece com qualquer conhecimento científico, indígena, ancestral, urbano etc.

São essas outras formas de conhecimento que determinam efetivamente que a inclusão deve ser decidida pelos excluídos. Ou seja, os excluídos têm de ter uma palavra nos critérios de inclusão: o que eles não querem e o que querem. Esse é o princípio, digamos, originário dos próprios movimentos populares, que determina qual é o recorte efetivamente dessa inclusão.

Diplomatique – Equador e Bolívia são hoje estados plurinacionais e a refundação do Estado passa por esses elementos da plurinacionalidade. Como você vê essa experiência, em que os movimentos indígenas têm um papel muito forte? Há diferenças entre os dois?

BSS – Eu estou terminando exatamente um livro que se chama A Fundação do Estado na América Latina a partir das Epistemologias do Sul. Nele comparo os dois processos, o boliviano e o equatoriano, a partir de vários parâmetros da plurinacionalidade, que convoca outro conceito de soberania, outra institucionalidade do Estado, outra territorialidade, organização territorial.

Ela é uma transformação profunda do Estado porque junta dois conceitos que até agora não se reconheceram mutuamente: o de nação cívica, que é dos cidadãos, e o de nação de todos os indivíduos, que são equatorianos e bolivianos; e a nação étnica e cultural, as pertenças ancestrais, a mesma história, a mesma cultura, a mesma língua. E a verdade é que não há, necessariamente, conflito entre eles. Os indígenas do Equador consideram-se equatorianos. Obviamente os da Bolívia consideram-se bolivianos. Só que são também aimaras, quéchuas, chuara. O que significa que há diferentes formas de pertença à nação e há diferentes conceitos de nação.

Esse é o grande desafio da plurinacionalidade porque nós não estamos preparados para essa consciência. Somos todos filhos de um pensamento liberal que diz que só tem um Estado, uma nação, um direito, uma cultura.

Diplomatique – Em relação ao Brasil, dada a proximidade do governo Lula com os movimentos sociais, essa relação esvaziou a capacidade de pressão dos movimentos? Este campo político poderá se rearticular pós-eleição?

BSS – É verdade que com a eleição de Lula os movimentos sociais entenderam que tinham um amigo na presidência e isso foi um fator de desmobilização, mas não aconteceu com todos. Não aconteceu com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), por exemplo, nem com o movimento indígena, que foi, aliás, muito golpeado pelas políticas desse governo. Também não aconteceu com o movimento quilombola, que tem tido uma força e uma presença política crescente no Brasil e que, neste momento, tem as suas conquistas pendentes no Supremo Tribunal Federal. Portanto, não podemos dizer que todos os movimentos sociais se desarmaram. É evidente que aqueles de recorte urbano, direitos humanos, direito da paz, direito da habitação e até o próprio movimento ambiental sentiram, num primeiro momento, que tinham um amigo na presidência.

Aos poucos eles foram vendo que o amigo na presidência, que é um amigo, obviamente, tem outros amigos. Tem muitas pressões em cima dele. E essas pressões vêm de cima, vêm normalmente da esfera nacional e internacional. E, portanto, se não houver uma pressão de baixo para cima, a pressão de cima para baixo estará sempre forte. Os movimentos sociais não deveriam se desarmar com o presidente Lula porque até o ajudariam se mantivessem essa mobilização. O seu governo é muito sujeito a pressões de cima, dos que procuram que ele se mantenha o mais bem comportado possível pró-capitalismo e, naturalmente, os movimentos sociais têm de fazer uma pressão em sentido contrário.


Vanessa Marx é advogada da equipe técnica do Instituto Pólis e doutora em ciência política pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB).

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Descaso na UnB

Escrito por Sintfub
06/04/2010
Seis mil servidores recebem salários reduzidos



Podia ser mais uma mentira contada nesse 1º de abril. Mas não foi. Os cerca de 6 mil servidores da Universidade de Brasília tiveram a confirmação do corte salarial imposto pelo Ministério do Planejamento (MPOG) na última quinta-feira. O depósito dos salários dos servidores da UnB revelou que 1.100 não receberam nenhum valor relativo à URP, que corresponde a 26,05% do total recebido. O MPOG deve rodar folha suplementar para repor o prejuízo até 8 de abril.



Não houve quem escapasse do corte. O secretário de Recursos Humanos da UnB, Afonso de Sousa, explica que os servidores contratados a partir de outubro de 2008 não receberam um centavo da parcela assegurada por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF). "Todos os mais antigos tiveram cortes. Quanto mais recente a contratação, maior o prejuízo", comentou Afonso.



Após pressão da ministra Cármen Lúcia, responsável pelo documento que determina a continuidade do pagamento da URP para todos os professores da UnB até o julgamento do caso, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, afirmou que o órgão deve rodar uma folha suplementar para repor a redução entre os dias 6 e 8 de abril. "Esperamos o pagamento integral, como a Justiça manda", observou Cosmo Balbino, coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação UnB (Sintfub).



A folha extra, no entanto, só deve ser rodada depois do parecer técnico da Advocacia Geral da União sobre a liminar do STF. "O MPOG e a UnB têm interpretações diferentes do documento. O parecer tem força executória e vai respaldar a forma correta de pagamento. Confiamos em uma decisão favorável a nós", disse o professor Flávio Botelho, presidente da Associação de Docentes da UnB.



Prejuízos
José Geraldo Ribeiro e Morgana Rodrigues são casados. Os dois são servidores da UnB. Juntos, perderam cerca de R$ 1 mil no orçamento mensal, após o corte nos salários de março. "Tivemos uma triste notícia ao receber os contracheques. Para nós, é um prejuízo considerável", contou o funcionário do Serviço de Compras Internacionais. "Isso porque não cortaram tudo. Imagina se o governo tirar toda a URP. Não sabemos o que fazer", completou o servidor.



Como resposta às ameaças ao corte salarial, o Comando de Greve vai intensificar suas atividade nesta semana. Uma das novidades são as reuniões itinerantes. "Vamos rodar toda UnB, conscientizar as pessoas que ainda não aderiram à greve sobre a gravidade da situação que vivemos", adiantou Cosmo. Uma agenda de manifestações pela cidade também deve ser divulgada no início da semana.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Kátia Abreu recebe 25 vezes mais dinheiro do Governo do que o MST

Por Paulo Henrique Amorim

Em dezembro de 2009, Miguel Carter concluiu o trabalho de organizar o livro ‘Combatendo a Desigualdade Social – O MST e a Reforma Agrária no Brasil.’. É um lançamento da Editora UNESP, que reúne colaborações de especialistas sobre a questão agrária e o papel do MST pela luta pela Reforma Agrária no Brasil.

Esta semana, ele conversou com Paulo Henrique Amorim, por telefone.

PHA – Professor Miguel, o senhor é professor de onde?

MC – Eu sou professor da American University, em Washington D.C.

PHA – Há quanto tempo o senhor estuda o problema agrário no Brasil e o MST?

MC- Quase duas décadas já. Comecei com as primeiras pesquisas no ano de 91.

PHA – Eu gostaria de tocar agora em alguns pontos específicos da sua introdução “Desigualdade Social Democracia no Brasil”. O senhor descreve, por exemplo, a manifestação de 2 de maio de 2005, em que, por 16 dias, 12 mil membros do MST cruzaram o serrado para chegar a Brasília. O senhor diz que, provavelmente, esse é um dos maiores eventos de larga escala do tipo marcha na história contemporânea. Que comparações o senhor faria ?

MC – Não achei outra marcha na história contemporânea mundial que fosse desse tamanho. A gente tem exemplo de outras mobilizações importantes, em outros momentos, mas não se comparam na duração e no numero de pessoas a essa marcha de 12 mil pessoas. Houve depois, como eu relatei no rodapé, uma mobilização ainda maior na Índia, também de camponeses sem terra. Mas a de 2005 era a maior marcha.

PHA – O senhor compara esse evento, que foi no dia 2 de maio de 2005, com outro do dia 4 de junho de 2005 – apenas 18 dias após a marcha do MST – com uma solenidade extremamente importante aqui em São Paulo que contou com Governador Geraldo Alckmin, sua esposa, Dona Lu Alckmin, e nada mais nada menos do que um possível candidato do PSDB a Presidência da República, José Serra, que naquela altura era prefeito de São Paulo. Também esteve presente Antônio Carlos Magalhães, então influente senador da Bahia. Trata-se da inauguração da Daslu. Por que o senhor resolver confrontar um assunto com o outro ?

MC – Porque eu achei que começar o livro com simples estatísticas de desigualdades sociais seria um começo muito frio. Eu acho que um assunto como esse precisa de uma introdução que também suscite emoções de fato e (chame a atenção para) a complexidade do fenômeno da desigualdade no Brasil. A coincidência de essa marcha ter acontecido quase ao mesmo tempo em que se inaugurava a maior loja de artigos de luxo do planeta refletia uma imagem, um contraste muito forte dessa realidade gravíssima da desigualdade social no Brasil. E mostra nos detalhes como as coisas aconteciam, como os políticos se posicionavam de um lado e de outro, como é que a grande imprensa retratava os fenômenos de um lado e de outro.

PHA – O senhor sabe muito bem que a grande imprensa brasileira – que no nosso site nós chamamos esse pessoal de PiG (Partido da Imprensa Golpista) - a propósito da grande marcha do MST, a imprensa ficou muito preocupada como foi financiada a marcha. O senhor sabe que agora está em curso uma Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, que reúne o Senado e a Câmara, para discutir, entre outras coisas, a fonte de financiamento do MST. Como o senhor trata essa questão ? De onde vem o dinheiro do MST ?

MC _ Tem um capítulo 9 de minha autoria feito em conjunto com o Horácio Marques de Carvalho que tem um segmento que trata de mostrar o amplo leque de apoio que o MST tem, inclusive e apoio financeiro.

PHA – O capítulo se chama “Luta na terra, o MST e os assentamentos” - é esse ?

MC – Exatamente. Há uma parte onde eu considero sete recursos internos que o MST desenvolveu para fortalecer sua atuação, nesse processo de fazer a luta na terra, de fortalecer as suas comunidades, seus assentamentos. E aí tem alguns detalhes, alguns números interessantes. Porque eu apresento dados do volume de recursos que são repassados para entidades parceiras por parte do Governo Federal. Eu sublinho no rodapé dessa mesma página o fato de que as principais entidades ruralistas do Brasil têm recebido 25 vezes mais subsídios do Governo Federal (do que o MST). E o curioso de tudo isso é que só fiscalizado como pobre recebe recurso público. Mas, sobre os ricos, que recebem um volume de recursos 25 vezes maior que o dos pobres, (sobre isso) ninguém faz nenhuma pergunta, ninguém fiscaliza nada. Parece que ninguém tem interesse nisso. E aí o Governo Federal subsidia advogados, secretárias, férias, todo tipo de atividade dos ruralistas. Então chama a atenção que propriedade agrária no Brasil, ainda que modernizada e renovada, continua ter laços fortes com o poder e recebe grande fatia de recursos públicos. Isso são dados do próprio Ministério da Agricultura, mencionados também nesse capítulo. Ainda no Governo Lula, a agricultura empresarial recebeu sete vezes mais recursos públicos do que a agricultura familiar. Sendo que a agricultura familiar emprega 80% ou mais dos trabalhadores rurais.

PHA – Qual é a responsabilidade da agricultura familiar na produção de alimentos na economia brasileira ?

MC – Na página 69 há muitos dados a esse respeito.

PHA- Aqui: a mandioca, 92% saem da agricultura familiar. Carne de frango e ovos, 88%. Banana, 85%.. Feijão, 78%. Batata, 77%. Leite, 71%. E café, 70%. É o que diz o senhor na página 69 sobre o papel da agricultura familiar. Agora, o senhor falava de financiamentos públicos. Confederação Nacional da Agricultura, presidida pela senadora Kátia Abreu, que talvez seja candidata a vice-presidente de José Serra, a Confederação Nacional da Agricultura recebe do Governo Federal mais dinheiro do que o MST ?

MC – Muito mais. Essas entidades ruralistas em conjunto, a CNA, a SRB, aquela entidade das grandes cooperativas, em conjunto elas recebem 25 vezes do valor que recebem as entidades parceiras do MST. Esses dados, pelo menos no período 1995 e 2005, fizeram parte do relatório da primeira CPI do MST. O relatório foi preparado pelo deputado João Alfredo, do Ceará.

PHA – O senhor acredita que o MST conseguirá realizar uma reforma agrária efetiva ? A sua introdução mostra que a reforma agrária no Brasil é a mais atrasada de todos os países que fazem ou fizeram reforma agrária. Que o Brasil é o lanterninha da reforma agrária. Eu pergunto: por que o MST não consegue empreender um ritmo mais eficaz ?

MC – Em primeiro lugar, a reforma agrária é feita pelo Estado. O que os movimentos sociais como o MST e os setenta e tantos outros que existem em todo o Brasil fazem é pressionar o Estado para que o Estado cumpra o determinado na Constituição. É a cláusula que favorece a reforma agrária. O MST não é responsável por fazer. É responsável por pressionar o Governo. Acontece que nesse país de tamanha desigualdade, a história da desigualdade está fundamentalmente ligada à questão agrária. Claro que, no século 20, o Brasil, se modernizou, virou muito mais complexo, surgiu todo um setor industrial, um setor financeiro, um comercial. E a (economia) agrária já não é mais aquela, com tanta presença no Brasil. Mas, ainda sim, ficou muito forte pelo fato de o desenvolvimento capitalista moderno no campo, nas últimas décadas, ligar a propriedade agrária ao setor financeiro do país. É o que prova, por exemplo, de um banqueiro (condenado há dez anos por subornar um agente federal – PHA) como o Dantas acabar tendo enormes fazendas no estado do Pará e em outras regiões do Brasil. Houve então uma imbricação muito forte entre a elite agrária e a elite financeira. E agora nessa última década ela se acentuou num terceiro ponto em termos de poder econômico que são os transacionais, o agronegócio. Cargill, a Syngenta… Antes, o que sustentava a elite agrária era uma forte aliança patrimonialista com o Estado. Agora, essa aliança se sustenta em com setor transacional e o setor financeiro.

PHA – Um dos sustos que o MST provoca na sociedade brasileira, sobretudo a partir da imprensa, que eu chamo de PiG, é que o MST pode ser uma organização revolucionária – revolucionária no sentido da Revolução Russa de 1917 ou da Revolução Cubana de 1959. Até empregam aqui no Brasil, como economista Xico Graziano, que hoje é secretário de José Serra, que num artigo que o senhor fala em “terrorismo agrário”. E ali Graziano compara o MST ao Primeiro Comando da Capital. O Primeiro Comando da Capital, o PCC, que, como se sabe ocupou por dois dias a cidade de São Paulo, numa rebelião histórica. Eu pergunto: o MST é uma instituição revolucionária ?

MC – No sentido de fazer uma revolução russa, cubana, isso uma grande fantasia. E uma fantasia às vezes alardeada com maldade, porque eu duvido que uma pessoa como o Xico Graziano, que já andou bastante pelo campo no Brasil, não saiba melhor. Ele sabe melhor. Mas eu acho que (o papel do) MST é (promover) uma redistribuição da propriedade. E não só isso, (distribuição) de recursos públicos, que sempre privilegiou os setores mais ricos e poderosos do país. Há, às vezes, malícia mesmo de certos jornalistas, do Xico Graziano, Zander Navarro, dizendo que o MST está fazendo uma tomada do Palácio da Alvorada. Eles nunca pisaram em um acampamento antes. Então, tem muito intelectual que critica sem saber nada. O importante desse (“Combatendo a desigualdade social”) é que todos os autores têm longos anos de experiência (na questão agrária). A grande maioria tem 20, 30 anos de experiência e todos eles têm vivência em acampamento e assentamentos. Então conhecem a realidade por perto e na pele. O Zander Navarro, por exemplo, se alguma vez acompanhou de perto o MST, foi há mais de 15 anos. Tem que ter acompanhamento porque o MST é de fato um movimento.

PHA – Ou seja, na sua opinião há uma hipertrofia do que seja o MST ? Há um exagero exatamente para criar uma situação política ?

MC – Exatamente. Eu acho que há interesse por detrás desse exagero. O exagero às vezes é inocente por gente que não sabe do assunto. Mas às vezes é malicioso e procura com isso criar um clima de opinião para reprimir, criminalizar o MST ou cortar qualquer verba que possa ir para o setor mais pobre da sociedade brasileira. Há muito preconceito de classe por trás (desse exagero).

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A tortura por herança

Do Valor
Herança deixada para os mais pobres

Maria Inês Nassif
01/04/2010

A história é um processo, mas em alguns períodos os sobreviventes de um tempo conseguem perceber quase na pele que vivem um momento em que uma página é virada e outra se inicia. Nessas ocasiões, a impressão é a de que cada um de um vasto número de incógnitos atores sociais conseguiu imprimir a sua assinatura num capítulo da história e que os dias, meses e anos passaram a andar porque foram movidos por uma vontade coletiva. São momentos de explosão social de emoção indescritível e, quando eles acontecem, os consensos formados no tecido social têm conteúdo positivo – a construção do novo. Embora sejam situações que exijam a coragem coletiva da mudança, e isso sujeita a sofrimentos, elas trazem junto a alegria da superação. Não apenas uma superação pessoal, mas coletiva.

O golpe de 1964 completou 46 anos ontem. Há 25 anos, o país passou por um momento histórico de superação. O país, que vivera a quebra da ordem institucional com relativa indiferença, do ponto de vista da maioria não engajada partidariamente; que assistira a um início de resistência de massa nos movimentos populares de 68; que caíra novamente na letargia no período do milagre econômico e de feroz repressão do governo Médici; que lutou com dificuldade no governo Geisel, aquele presidente que manobrou maiorias parlamentares, aumentou a lista de desaparecidos políticos e interviu no Judiciário – esse país chegou ao governo Figueiredo tecendo consensos. A redemocratização foi um consenso; a anistia foi uma convicção coletiva; a luta pelas eleições diretas ganhou as ruas. O primeiro presidente civil não foi eleito pelo voto direto, mas certamente assumiu porque o fim do regime militar tornou-se uma explosão de consenso: se Tancredo Neves foi o escolhido pelo Colégio Eleitoral numa transição negociada com os militares, ele também foi ungido pelo consenso das ruas.

Esses momentos, todavia, são o limiar de um tempo. Embora tragam uma intenção construtiva, são capazes exclusivamente de operar a mudança da página. Não trazem, em si, a energia da superação que transforma. As letras que carregam das páginas da história passada apenas são efetivamente reescritas no momento em que, já virada a folha, se opera a reflexão, letra por letra, das páginas anteriores. É a única forma de conseguir que as folhas seguintes se livrem da sombra do passado.

Os governos pós-ditadura, na revisão do passado, andaram um tanto que impede acusá-los de não andar nada, mas andaram tão pouco que deixaram por escrever as páginas anteriores, que permanecem nas sombras. A Comissão da Memória e da Verdade, que tanto assombra os militares, é um exemplo. Não consegue sair do papel; como não sai, não reescreve o passado; como não reescreve o passado, não vira a página para o futuro. A reivindicação de decortinar as circunstâncias da morte e desaparecimento político dos adversários do regime militar e apontar os torturadores que operaram a máquina repressiva da ditadura não é um mórbido desejo de sobreviventes e familiares de recontar sofrimentos. É coragem de expor feridas para que outras não sejam abertas.

A recusa em mexer no lixo da repressão da ditadura cobra seu preço. A conta está nas delegacias de polícia, nos presídios e nos centros de detenção de menores. Está nas favelas, onde o crime incorporou a prática como punição, amedrontamento e técnica de interrogatório. Segundo relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados oferecido como subsídio à missão oficial da ONU, em 2001, a tortura é “o principal mecanismo de investigação policial” no Brasil; “é largamente aplicada como meio de pressão e imposição de disciplina em presídios e em centros de cumprimento de medidas socioeducativas para adolescentes”. O relatório de 2005 traz uma análise de casos de tortura e crimes correlatos no banco de dados do SOS Tortura. De 1.863 dos casos coletados entre 31 de outubro de 2001 até 31 de janeiro de 2004 (que estão longe de representar a totalidade dos casos ocorridos no período), São Paulo foi responsável por 306 deles; Minas, por 283; Pará, por 168; Bahia, por 145; Rio de Janeiro, por 96; Distrito Federal; por 82; Maranhão, por 74, entre outros. Segundo a pesquisa, 40% desses casos aconteceram em delegacias de polícia e 21% em unidades prisionais. Segundo as vítimas, 38% dos casos de torturas foram operados como castigos e 33% para obtenção de informações.

A seccional da OAB do Estado do Maranhão acaba de entregar às autoridades uma lista com 43 pessoas mortas em presídios e delegacias do Maranhão desde 2008 e denúncias de torturas contra presos. O Espírito Santo foi denunciado na 13ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU pelas violações que ocorrem em seu sistema prisional.

Hoje, as principais vítimas de torturas e de violações de direitos dentro do aparelho policial e no sistema prisional são pessoas pobres; sofrerão mais abusos, tanto no sistema como fora dele, impostas pelo representante do Estado ou por aqueles que “substituem” sua autoridade pela força nas comunidades carentes, quanto mais pobres forem, e serão mais atingidos, entre os pobres, os negros.

A ditadura acabou; a tortura, não. Ela está impregnada no aparelho policial porque a história de superação da ditadura não a superou: protegeu-a sob o manto de um pseudo-esquecimento. Esse legado da ditadura a sociedade brasileira transferiu para as classes mais pobres, que estão pagando a conta.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política.