Cada geração se depara, mais cedo ou mais tarde, com a necessidade de adaptação e aquisição de capacidades indispensáveis para a sobrevivência. Ou, vá lá, pelo menos pra harmonia da vida em grupo. Agora que as redes sociais estão bombando, é importante que a gente saiba como se comportar dentro delas. E foi assim que o senso de ironia acabou de entrar pra lista de sensos fundamentais, ao lado do senso comum, do bom senso (também conhecido como simancol), do senso estético e do senso de direção: a partir de agora, colega, sem ele, você tá na roça e vai carpinar sozinho.
É que as pessoas, meu deus, as pessoas estão falando sem parar. Blogs, twitters, tumblrs, readers – e todos os desdobramentos: caixa de comentários, feeds, retuitadas, trending topics, tumblaridade, likes, follows, unfollows, compartilhamento, notas. Some-se a essa avalanche de comunicabilidade que nós somos pós-modernos, ou qualquer coisa que indique que tudo aquilo que já foi grave, gravíssimo, é ainda grave, gravíssimo mas permanece irresoluto e virou piada. As pessoas estão dizendo e repetindo tout et n'importe quoi, meu deus, as pessoas estão fazendo piadas. Boas e ruins, quero dizer. E tem gente que sai atirando indiscriminadamente pra todo lado como uma matracalhadora e criticando qualquer manifestaçãozinha de humor, sarcasmo, ironia ou non sense (esse coitado ainda não entrou pra academia brasileira de sensos, permanece banido até segunda ordem).
Enfim, eu não sei dos outros, mas a ironia urge defender. Ela não pode morrer à mingua, surrada por aqueles que tomam tudo ao pé da letra e acham que toda frase é uma sentença. A ironia é gente boa. Prestando atenção, vê-se que ela diverte a gente quando eleva o que é rasteiro e rebaixa o que é elevado. Ela troca os termos e os valores de uma equação, ela brinca com as expectativas, ela permite que a gente se vingue de injustiças e perversidades, ainda que seja uma vingancinha boba, amarelenta, passageira. Ainda que trocentas pessoas repitam uma ironia, ela não se torna grande coisa. Mas também não é porque uma ironia se populariza que ela deixa de ser bacana. Entender uma ironia é a alfabetização do momento, então, como eu disse, urge aprender. Eis minhas cinco dicas de como captar uma ironia.
1 – Não acredite que aquela celebridade instantânea realmente alcançou a posteridade e amor incondicional de todo mundo. Assim como você, a gente sabe que nada é mais efêmero do que a condição de celebridade. A graça está justo nesse pedestal absolutamente imerecido.
2 – O mesmo vale pros grandes assuntos intelequituais. Gente que inventa ideias, assim, genuinamente, acho que tem umas 10 no mundo. E elas não estão no twitter. O que as demais pessoas (na definição do Jota Quest: você, eu e todo mundo cantar junto) fazem é negar, repetir, adaptar, distorcer, reformular, simplificar, universalizar, transferir, recortar, colar, colorir, esticar, puxar. As tais ideias, bem entendido. Então se é pra começar um longo debate, que não seja por causa de um detalhe numa frase que fulaninho tuitou. Fulaninho, coitado, devia estar sendo irônico e não merece pagar por isso.
3 – As pessoas que dizem querer salvar o mundo se dividem em dois grupos: o dos chatos idealistas e o dos irônicos interessantes. Os chatos passarão a vida inteira implicando com aqueles que não agem segundo suas certezas. Não seja um chato idealista. Os irônicos são aqueles que mostrarão nossas contradições e insignificância. Eles não salvam nada nem ninguém, os irônicos, mas eles talvez mudem alguma coisa. Só não me perguntem o quê.
4 – Aqui deveria haver mais uma diquinha pra fechar o número 5, mas nada me ocorre. Pule esse item, por obséquio.
5 – Se você não tem certeza se está diante de uma ironia, imagine-a sendo cantarolada pelo Chacrinha ou cartunizada pelo Ziraldo. Riu? Sorriu, ao menos? Então é só uma ironia.
Retirado do blog: http://ateaquitudobem.blogspot.com
Blog da Associação dos Servidores da Universidade Federal de Pelotas, criado pela Coordenação de Divulgação e Imprensa, com o objetivo de interagir diretamente com o associado e a comunidade em geral, debatendo assuntos não só de interesse da categoria, mas de toda sociedade, de forma crítica e participativa.
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