terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O DILEMA DA ADESÃO

No ano em que se comemora 100 anos do ensino profissional no Brasil, muitas instituições aderiram e outras vivem o dilema de aderir ou não, a uma recente instituição criada pelo governo Luis Inácio Lula da Silva denominada Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET). Esta adesão, segundo as autoridades da Secretaria do Ensino Profissional e Tecnológico (SETEC) passa pela decisão dos seus principais atores (docentes, técnico-administrativos e discentes). A opção, de adesão ou não, muda de forma significativa a vida dos profissionais e alunos envolvidos neste processo. Este dilema esta colocado atualmente à comunidade do Conjunto Agrotécnico Visconde da Graça (CAVG/UFPEL), explicitado no Seminário recentemente realizado nos dias 7 e 8 de outubro de 2009.
Neste processo de criação e implementação desta nova instituição, que decorre de uma política e de programas de governos, deve-se ter a necessária tranqüilidade de se olhar não apenas a “árvore”, mas também a “floresta”. Não é suficiente olhar tão somente as questões meramente individuais envolvidas, mas ter um olhar e uma clareza que vai para além do espaço no qual realizamos nosso trabalho, para que se possa de forma tranqüila e consciente tomar uma decisão, seja ela pela adesão ou não. Neste sentido, se faz necessário, para não sermos induzidos a aderir a um modelo do qual não se tem acordo, raspar um pouco do verniz colocado nesta proposição governamental. Uma outra necessidade é salientar os marcos históricos, culturais e legais que demarcam a história do ensino profissional no país. Quanto aos marcos históricos e culturais os 86 anos de existência e relevantes serviços prestados à comunidade, o CAVG fala da sua necessidade e importância. Sendo necessário também resgatar um pouco da história e motivações da criação do ensino profissional no Brasil, da qual, por óbvio o Conjunto Agrotécnico contribuí.
Esta modalidade de ensino foi criada no Brasil com a finalidade de repressão às classes “perigosas”, com o objetivo de educar pelo trabalho, os órfãos, pobres e desvalidos da sorte, o combate a “vadiagem”, retirando-os da rua. À partir deste marco legal criado, fica estabelecida a dualidade estrutural na educação brasileira, dito de outra forma, a educação passa a ter duas trajetórias bem distintas, definidas e caracterizadas. A primeira, destinada a classe mais abastada com um ensino destinado ao pensar a ao mando, e uma segunda destinada para as classes pobres e proletárias destinada ao fazer, Olhando mais detidamente para o desenvolvimento desta modalidade de ensino verifica-se que a mesma sempre foi marcada por mudanças, avanços e retrocessos, quer nas suas instituições, muitas vezes somente pela mera mudança de nome, ou ainda pelo estabelecimento de arcabouços jurídicos de diferentes governos, através da edição de leis orgânicas ou infraconstitucionais.
Ao longo de cem anos da trajetória do ensino profissional as instituições que fazem esta modalidade de ensino receberam várias designações: na sua gênesis em 1909 como Escola de Aprendizes e Artífices; posteriormente na década dos anos trinta como Liceus Industriais; no início da década de quarenta e fim dos anos cinqüenta como Escolas Técnicas e ao final da década de setenta início dos anos oitenta a transformação das Escolas Técnicas em Centros Federais de Educação Tecnológica –CEFETs (processo na época denominado de Cefetização). Recentemente duas outras mudanças aconteceram: a transformação do Centro Federal de Educação Tecnológica Federal do Paraná - CEFET-PR, em Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e a transformações dos demais CEFETs em IFEs (processo denominado de Ifetização). Verifica-se portanto, que a trajetória do ensino profissional sempre foi demarcada por várias mudanças, revelando uma política educacional pouco ou nada perene para este modalidade e atendendo a interesse nem sempre explicitados. Contemporaneamente, nas décadas dos anos oitenta até os dias atuais, mudanças significativas foram implementadas nesta modalidade de ensino, que vão para além da mudança de nomenclatura das instituições. Especificamente faço menção a dois governos, ao de Fernando Henrique Cardoso e ao que está em curso de Luis Inácio Lula da Silva. Cada um com entendimento e interesse constrói arcabouço jurídico, através de leis infracontitucionais.
No início de 1996 o governo FHC, apresenta o Projeto de Lei 1603/96, que reproduz na íntegra as orientações do Banco Mundial e que também estão presentes no documento “Planejamento Político-Estratégico 1995/1998”. Este Projeto de Lei 1603/96 tinha como características fundamentais definir as bases conceituais e operacionais da política de educação profissional a serem implementadas no Brasil para os anos de 1990 podem ser resumidas nestes princípios e fundamentos principais:
1-Separar, do ponto de vista conceitual e operacional, a parte profissional da parte acadêmica;
2-Dar maior flexibilidade aos currículos das escolas técnicas de forma a facilitar a adaptação do ensino às mudanças no mercado de trabalho;
3-Promover, à aproximação dos núcleos profissionalizantes das escolas técnicas com o mundo empresarial, aumentando o fluxo de serviços entre empresas e escolas;
4-Progressivamente, encontrar formas jurídicas apropriadas para o funcionamento autônomo e responsável das Escolas Técnicas e CEFETs e, ao mesmo tempo, estimular parcerias para financiamento e gestão;
5-Estabelecer mecanismos específicos de avaliação das escolas técnicas para promover a diversificação dos cursos e a integração com o mercado de trabalho. Após várias audiências públicas e uma crítica contundente de todos os setores envolvidos o governo FHC recua, e com o pretexto de regulamentar a LDB (aprovada em 20/12/96), baixa o Decreto Lei 2208/97, complementados pela Portaria do MEC/646/97 e pela Medida Provisória N° 1549-28/97, retomando integralmente os fundamentos e concepções do PL 1603/96.
A implementação deste arcabouço jurídico capitaneado pelo Decreto 2208/97 acarretou uma série de conseqüências tais como: 1- a desestruturação do ensino técnico de nível médio, retomando a velha dualidade estrutural, ou seja, um ensino para a mente (o pensar) outro para as mãos (o fazer); 2- Há uma drástica redução da oferta de vagas regulares públicas e um aumento de cursos e atividades extraordinárias pagas – emprezariamento e privatizações; 3- Cria-se em substituição aos cursos técnicos e, em diferentes instituições da rede de ensino profissional pública e na iniciativa privada, cursos de curta duração com uma formação rápida, rasa e aligeirada, desvinculados conceitual e operacionalmente da educação regular – Cursos de Tecnologias – Tecnólogos, estruturados agora às demandas do mercado e ao mundo dos negócios.
Com o governo de Luis Inácio Lula da Silva, a discussão sobre a modalidade do ensino profissional é retomada, pois os sindicatos, a classe acadêmica e os pesquisadores que estudam o ensino profissional, fazem severas críticas ao Projeto de Lei N° 2208/97. Mas havia um posicionamento contrário dos gestores dos CEFETs e do Sistema “S”, que tinha posicionamento contrário a revogação do Decreto Lei N° 2208/97, pois consideravam que até aquele momento a experiência da Cefetização estava trazendo resultados muito positivo e que era prematuro revogar o Decreto N° 2208/97 sem uma melhor avaliação dos seus resultados.
Diante deste dilema, o governo Lula constrói e publica seu arcabouço jurídico composto por: Leis, decretos-lei, portarias, pareceres e resoluções. As suas principais leis são as seguintes:
1-Lei n° 11.129, de 30 de junho de 2005 – Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem; cria o Conselho Nacional da Juventude – CNJ e a Secretaria Nacional da Juventude; altera as Leis n°s 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências.
2-Lei n° 11.180, de 23 de setembro 2005 – Institui o Projeto Escola de Fábrica, autoriza a concessão de bolsas de permanência a estudantes beneficiários do Programa Universidade para Todos – PROUNI, institui o Programa de Educação Tutorial – PET, alerta a lei n° 5.537, de 21 de novembro de1968, e a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.542, de 1° de maio de 1943, e dá outras providências.
3-Lei n° 11.739, de 16 de julho de 2008 – Cria cargos efetivos, cargos comissionados e funções gratificadas no âmbito do Ministério da Educação.
4-Lei n° 11.892, de 29 de dezembro de 2008 – Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências.
5-Lei n° 11.784, de 1° de julho de 2008 – Estrutura a Carreira do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico.
Os decretos principais são os seguintes:
1-Decreto n° 4.877, de 13 de novembro de 2003 – Disciplina o processo de escolha de dirigentes no âmbito dos Centros Federais de Educação Tecnológica, Escolas Técnicas Federais e escolas Agrotécnicas Federais;
2-Decreto n° 5.119, de 28 de junho de 2004 – Revoga a autorização e reconhecimento de cursos superiores de tecnologia das instituições privadas e da rede federal de educação profissional e tecnológica;
3-Decreto n° 5.154, de 23 de julho de 2004 – Regulamenta o § 2° do art.36 e os arts. 39 a 41 da Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências;
4-Decreto n° 5.205, de 1° de outubro de 2004 – Dispõe sobre as relações entre as instituições federais de ensino superior e a pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio;
5-Decreto n° 5.224, de 1° de outubro de 2004 – Dispõe sobre a organização dos Centros Federais de Educação Tecnológica e dá outras providências;
6-Decreto n° 5.225, de 1° de outubro de 2004 – Altera dispositivos do Decreto n° 3.860, de 9 de julho de 2001, que dispõe sobre a organização do ensino superior e a avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências;
7-Decreto n° 5.478, de 24 de junho de 2005 – Institui, no âmbito das instituição federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e adultos – PROEJA;
8-Decreto n° 6.095, de 24 de abril e 2007 – Estabelece diretrizes para o processo de integração de instituições federais de educação tecnológica, para fins de constituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - IFET, no âmbito da Rede Federal de Educação Tecnológica;
Este extenso arcabouço jurídico é complementado por diversas portarias, pareceres e resoluções dando a esta nova Instituição IFET, prerrogativas de executar as atividades de ensino do básico, graduação, pós-graduação lato e stricto sensu, ensino a distância, educação de jovens e adultos, ou seja, todas as atividades de ensino, algumas antes apenas prerrogativa da universidade em seu modelo clássico, representando um aumento brutal das atividades executadas pelos CEFETs e Escolas Técnicas e Agrotécnicas que fizeram a adesão.
A partir da análise comparativa dos dois arcabouços jurídicos pode-se concluir que o atual governo mantém e aprofunda a política do governo FHC, pois: 1°- não rompe com as orientações dos organismos multilaterais de financiamento elaboradas no governo FHC; 2°-representa uma parte da reforma administrativa do Estado Brasileiro; 3°-significa uma renuncia ao desenvolvimento endógeno de conhecimento, ciência e tecnologia; 4°-É uma clara opção por uma universidade voltada apenas ao ensino, atendendo as demandas de mercado, e uma renuncia ao desenvolvimento da universidade clássica embasada no ensino, pesquisa e extensão; 5°-Representa um aprofundamento da dualidade estrutural, antes prerrogativa do ensino profissional e médio, agora implementado no ensino superior; 6°-Eleva consideravelmente os dados estatísticos em termos de ocupação de vagas no nível superior.
Por fim, alguns questionamentos se fazem necessários para se entender mais o processo: 1-Por que não se tem uma política perene para esta modalidade de ensino? 2- O modelo de Cefetização deu tão errado que necessita de uma nova mudança? As Escolas Técnicas e Agrotécnicas realizam um trabalho com qualidade insuficiente? Se a qualidade e as condições são insuficientes, a simples adesão ao IFE resolverá essas questões? Haverá aporte de recursos para prover e manter esta nova instituição? Por ser criado e regulamentado por lei infraconstitucional, os IFETs podem em um curto prazo de tempo sofrer uma nova alteração?
Estas e outras questões estão colocadas cabe a quem de direito tomar as melhores decisões.

Prof. Adilson Gil Tavares
Professor do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial da UTFPR
Mestre em Educação Tecnológica pela UTFPR
Diretor da SINDUTF-PR – ANDES-SN.

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