Apesar de muitos de nós já estarem acostumados, a postura da imprensa brasileira frente ao que considera (ou não) “relevante” beira, muitas vezes, a irresponsabilidade – fugindo por completo do compromisso, que gosta de reivindicar para si, de prestadora de serviço de interesse público. Assim, seria cômico, se não fosse lamentável, observar e constatar o deliberado desinteresse da grande mídia nacional em relação à realização da primeira e histórica Conferência Nacional de Educação – uma atividade que reuniu mais de três mil delegados e debateu, em sua etapa nacional, durante cinco dias, sobre as diretrizes do setor educacional brasileiro.
A Conferência, que mobilizou sociedade civil e Poder Público em um debate inédito sobre os rumos da educação no Brasil, não foi “digna” de sequer uma linha nos principais veículos de comunicação da massa do País. E, infelizmente, os poucos que se manifestaram o fizeram de maneira oportunista, superficial e equivocada – tendo sido noticiadas, e exploradas, informações falsas, em função de distorções ideológicas e da incompetência dos profissionais envolvidos.
Podemos citar, mais especificamente, dois jornais de grande circulação e bastante influência na agenda pública brasileira: Valor Econômico e O Estado de São Paulo. Talvez em função de uma cobertura viciada em procurar defeitos (e criar escândalos), acompanhamos a publicação de textos com erros de informação e apuração, redigidos de maneira equivocada e confusa – deixando explícito o despreparo e a má intenção dos veículos.
Para entender melhor: o Valor divulgou a informação de que teria sido aprovada na Conferência Nacional de Educação uma proposta de criação de uma agência reguladora para o setor educacional. E ainda colocou, como sendo declaração do Secretário de Assuntos Educacionais da CONTEE, José Thadeu de Almeida, uma informação distorcida e mal interpretada – que dava a entender que a proposta havia de fato sido aprovada. Segundo o Secretário da CONTEE e membro da Comissão Nacional Organizadora da CONAE, “em lugar nenhum e em nenhuma emenda aprovada, e nem mesmo entre as não aprovadas, há a proposta de criação de agência reguladora para educação. Posso garantir. Ou seja, esse é um debate estéril”. Se isso já não fosse suficiente, o Estadão publicou outra reportagem e também um editorial falando sobre o mesmo tema e criticando os resultados da CONAE, que seriam, segundo o jornal paulista, baseados no “dirigismo estatal” e na “supressão da liberdade de iniciativa no setor”.
O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e membro da Comissão Organizadora da CONAE, Daniel Cara, também manifestou indignação com as reportagens. Segundo carta enviada por Cara ao Fórum de leitores do Estadão: “o editorial do Estadão comete equívocos ao comentar as deliberações da Conferência Nacional de Educação (Conae). Em primeiro lugar, a Conae deliberou pela construção do Sistema Nacional Articulado de Educação a partir da cooperação e colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ou seja, não defendeu qualquer caráter de centralização da gestão educacional por parte do Governo Federal, como aponta o texto. Pelo contrário, a Conae reforçou o papel das secretarias municipais e estaduais de educação determinando, inclusive, que os gestores educacionais sejam os gestores dos recursos da educação, o que infelizmente não ocorre hoje. (...) Por último, a Conae não deliberou necessariamente por uma agência reguladora da educação privada e sim por mais regulação no setor, o que é desejável haja vista a baixa qualidade da maioria dos cursos oferecidos nas instituições privadas (...)”.
Quem também manifestou sua indignação frente ao fato da imprensa ter ignorado a realização da CONAE foi o Professor emérito da Unicamp, Dermeval Saviani, que teve sua mensagem publicada no Painel do Leitor do jornal Folha de São Paulo: “A mídia, de modo geral, incluída a Folha, comunga com empresários e políticos o discurso, mais ou menos unânime, de que a educação, na dita "sociedade do conhecimento", em que nos encontramos atualmente, é a coisa mais importante, devendo ser, portanto, a prioridade número 1 dos governos e da sociedade como um todo. No entanto, assim como os governos relutam em traduzir a referida prioridade em mais investimentos, a mídia também se nega a traduzi-la no noticiário referente às iniciativas educacionais. A semana que passou foi palco de um dos principais acontecimentos da educação brasileira: a Conferência Nacional de Educação (Conae), aberta em Brasília na noite de 28 de março, e encerrada no dia 1º de abril. (...) Apesar da grande importância desse acontecimento, a mídia falada e escrita nada publicou a respeito. Acompanhei como assinante a Folha para ver o que seria publicado sobre o assunto. A Conae se encerrou e nada encontrei. Como explicar essa omissão da mídia diante de algo que ela mesma proclama como de transcendental importância? Seria tal proclamação apenas dominantes e dirigentes no que se refere a uma educação que efetivamente venha a propiciar a toda a população brasileira uma visão clara e consistente da situação em que vive?".
Conduto, tais falácias certamente não serão desmentidas pelos veículos de comunicação. No máximo, o que poderemos ver será a publicação destas ou de outras cartas alertando sobre as informações falsas. O que nos obriga, lamentavelmente, a constatar o comprometimento ideológico da imprensa brasileira – voltado exclusivamente aos interesses privados. Além de seu partidarismo e sua conduta tendenciosa e, pior, incompetente.
Assim, caro leitor, se você deseja informações sobre as deliberações, as conquistas e os importantes avanços aprovados na CONAE, mude de canal, rasgue seu jornal, visite outros sites e portais. Não será pelos olhos vidrados pelo poder dos barões da mídia nacional que você encontrará o eco das reivindicações históricas dos trabalhadores, dos estudantes e do povo brasileiro.
* Daniele Moraes é assessora de Comunicação da CONTEE
Blog da Associação dos Servidores da Universidade Federal de Pelotas, criado pela Coordenação de Divulgação e Imprensa, com o objetivo de interagir diretamente com o associado e a comunidade em geral, debatendo assuntos não só de interesse da categoria, mas de toda sociedade, de forma crítica e participativa.
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