sexta-feira, 9 de abril de 2010

CRÔNICA

O ACASO E O DESTINO
André Masini

Certas vezes eu me ponho a pensar sobre essa intricada e incompreensível trama que é nossa vida... e me pergunto se por detrás dela não existe algum tipo de ordem ou razão...

Minha formação original são as ciências naturais; e minha tendência espontânea é a de acreditar que as únicas razões ou ordem que existem são as leis da física, da química, da biologia... e que tudo o mais são coincidências ou brincadeiras do acaso.

Mas que pensar das vastas regiões que se escondem além do horizonte da ciência? É certo que não podemos conhecê-las, mas às vezes... certos vislumbres...

Eu contarei aqui uma história que aconteceu comigo... (nada de grandioso; é uma história simples, quase ingênua... ) Contarei sem pretensão de tirar conclusões. Deixo-as para o leitor.

Quando cheguei ao Paraná, em dezembro de 1997, eu atravessava um desses momentos difíceis da vida. Acabara de me separar da mulher com quem vivera por 8 anos, e estava indo tomar posse (como Fiscal da Receita Federal) em uma pequena cidade agrícola de população predominantemente masculina, onde todas as mulheres entre 18 e 80 (temia eu) seriam casadas ou freiras.

Após ter passado uma semana aqui em Cascavel para conhecer a Delegacia da Receita, eu, muito a contragosto, arrumava as malas para partir para a tal cidadezinha. Era uma triste tarde de domingo, e, olhando pela janela do quarto de hotel, comecei a fazer um balanço de minha vida: Materialmente, eu agora tinha a estabilidade do emprego público... Mas isso era meu único consolo... Uma mulher com quem eu pudesse me entender, parecia algo remoto... O sonho de editar meus livros, mais remoto ainda...

Se lá em São Paulo, perto de todas as editoras, e distribuidoras, e feiras, e tudo mais... com amigos na imprensa e entidades culturais, eu em vinte anos não havia conseguido nada!... que poderia eu esperar de agora em diante?

Pensei na minha coleção de cartas de recusa de editoras... Pensei nas escolhas que eu tinha feito na vida... Não teria sido melhor ter ficado na Itália em 1986? ter feito doutorado, permanecido geólogo e esquecido o sonho de escrever?

Quantas portas já se haviam fechado!

Então uma frase amarga se formou em minha mente:

"Isso não foi o que eu planejei para mim!"

Tendo acabado de juntar as roupas espalhadas pelo quarto, eu agora catava os apetrechos do banheiro. Então vi que o sabonete, dentro do boxe, estava molhado...

"Como vou levar isso?"

Procurei na mala por algum pedaço de plástico para enrolá-lo. Mas não encontrei nenhum. Então, não sei por que motivo, veio-me à mente a imagem da pequena cômoda da ante-sala, junto à porta de entrada:

"Talvez alguém tenha deixado um saco plástico lá, em uma das gavetas..." pensei.

Sempre cabisbaixo, caminhei até a cômoda e abri a primeira gaveta. Estava vazia.

Meus pensamentos divagavam longe. Que sonhos ainda me restavam?

A segunda gaveta também estava vazia.

"Isso não foi o que eu planejei!" A amarga frase ocupava minha mente como um gigantesco outdoor, quando eu abri a terceira e última gaveta.

E lá havia... uma saboneteira! (Isso não foi o que eu planejei!) Uma saboneteira amarela, vazia... como se tivesse sempre estado lá, esperando por mim, esperando por aquele momento.

Tive a fortíssima sensação de que a vida queria me dizer algo:

– Por que você quer controlar tudo? ... eu posso lhe oferecer algo melhor do que aquilo que você próprio planejou... Você sabe tão pouco...

Depois disso, muita coisa aconteceu. Voltei para Cascavel. Fiquei gravemente doente e me curei. Passei dias difíceis. Mas aqui, de algum modo, eu acabei compreendendo que meu caminho seria fazer edições independentes de meus trabalhos. Hoje tenho esta coluna, dois livros publicados, e a cada dia alcanço novos leitores. Aqui conheci minha mulher, Elizangela, e ganhei minha filha, Talita, os dois maiores presentes que a vida já me deu... Aqui... onde eu não planejei.

Coincidência?

Sinceramente, eu não sei.

Mas, afinal, de que adiantaria saber? ("Nós sabemos tão pouco...") Se existe uma tal ordem, a única coisa certa é que nenhum de nós pode compreendê-la ou controlá-la. Coisas ruins e boas acontecem... por acaso. Mas acaso talvez seja apenas o nome dos motivos que estão muito além do que alcançamos compreender, e do que jamais alcançaremos.

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