Essa quem me contou foi o Poerner, um jornalista de responsa, e se passou durante a Copa do Mundo de 1970, quando o escrete papou a Jules Rimet definitivamente.
Brasil versus Tchecoslováquia, estréia da seleção canarinho no mundial. Meu amigo, comunista de carteirinha, estava em cana, dividindo a cela com sete caboclos. Para o alívio da rapaziada, conseguiram da Dona Justa autorização para ver os jogos na cadeia.
Antes da partida - e já no clima do babado - os camaradas se reuniram em assembléia extraordinária, para deliberar sobre como se comportariam durante o match. Concluiram, após breve análise da conjuntura e exortações ao centralismo democrático, que só havia um caminho viável: torcer contra o escrete.
A vitória do Brasil, eis a linha de raciocínio, reforçaria a popularidade da ditadura e seria instrumento perigoso de alienação das massas. Alguém lembrou, além disso, que a Tchecoslováquia era um país comunista.
Mal o jogo começa e os gringos aprontam: doze minutos do primeiro tempo e gol de um materialista histórico e dialético. Os membros do coletivo carcerário comemoram e têm uma surpresa quando o autor do tento, o ponteiro Petras, se ajoelha e faz o sinal da cruz. Um camarada manda na lata, diante do gesto de fé:
- Chama o Pacto de Varsóvia...
O jogo continua, com pressão brasileira pra cima dos homens. Pelé é derrubado na entrada da área. Rivellino, na cobrança da falta, manda um míssel nuclear de canhota; o goleiro Victor ainda toca na redonda. Dois presos não resistem:
- Gollllllll. Porra!
Quando percebem a mancada, botam as mãos na cabeça e mandam o migué em tom de lamento:
- Que merda. Empatamos...
E tome de pressão canarinho.
No início do segundo tempo, sob as bençãos de todos os caboclos e orixás, um dos lances mais impressionantes da história do futebol se desenrola: Gérson, o canhotinha, faz um lançamento de quarenta metros para Pelé. Um mortal que se aventurasse a matar uma bola daquelas cairia fulminado no gramado. Mas era o crioulo...
O negão subiu mais que o King Kong no Empire State, matou a criança no peito e preparou o arremate, diante do olhar atônito de dois zagueirões tchecos, incrivelmente parecidos com a dupla Dom e Ravel. Os presos, até então torcedores do adversário, se levantaram no mesmo instante, aos berros:
- Vamô, crioulo! Vamô, crioulo...
Pelé trocou de perna, enganou Victor e fuzilou. Tome de fuzuê no xadrêz:
- Goooooollllllll. Caralho!!!!! Pooooooooooorrrrrrrraaaaa. Isso é Brasil, seus tchecos de merda.
Terminou assim, sob o impacto da obra de arte de Pelé e palavrões de fazer o velho Marx parecer coroinha de cidade mineira, a solidária torcida dos bravos camaradas pelos branquelos do leste europeu. Um dos companheiros, com tremendo poder de síntese, resumiu o furdunço todo em uma breve sentença:
-Camaradas, façamos sem receio a autocrítica: uma matada de bola dessas fode qualquer internacionalismo proletário...
Retirado do blog Histórias Brasileiras do Luiz Antônio Simas
Blog da Associação dos Servidores da Universidade Federal de Pelotas, criado pela Coordenação de Divulgação e Imprensa, com o objetivo de interagir diretamente com o associado e a comunidade em geral, debatendo assuntos não só de interesse da categoria, mas de toda sociedade, de forma crítica e participativa.
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