Para Leila Diniz, síntese da mulher brasileira
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As mulheres sempre me interessaram soberanamente. Esta frase não é
minha, mas do saudoso Darcy Ribeiro, educador, antropólogo, poeta e
mulherólogo. Tomo a frase como minha porque são elas, as moças, a
razão do meu viver, o sal da minha inspiração, o motor que move a
engrenagem das minhas vontades.
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A companhia feminina me leva a escrever, a trabalhar, a amar. É música
para os meus ouvidos. Sem a presença das mulheres não haveria este
cristal invisível entre o sonho e a realidade dos homens – este desejo
incontrolável de conquistar territórios, este sopro belicoso a
conduzir nossa alma pelos campos de batalha.
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Escrevo sobre as moças enquanto escuto o novo disco do Grupo Anima.
Donzela Guerreira, inspirado no estudo homônimo de Walnice Nogueira
Galvão, beira o sublime ao musicar o mito da mulher que se veste de
homem e vai à guerra. Este arquétipo feminino está presente em todas
as culturas e épocas. Está na literatura, na mitologia e na história
dos povos. No Brasil, por exemplo, está encarnado em Diadorim,
personagem de Grande Sertão: Veredas, clássico de Guimarães Rosa.
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A moça insubmissa e revolucionária, que subverte o papel
historicamente destinado às mulheres, parece ser não apenas uma
aspiração feminina, mas uma fantasia dos homens. Não deve ser
coincidência o fato de a deusa Palas Atena ter nascido da cabeça de
Zeus, depois que este, sofrendo com terríveis dores de cabeça, pediu
que o filho Hades lhe abrisse o crânio com um porrete. Para o espanto
dos deuses do Olimpo, dentro da cabeça de Zeus havia uma jovem mulher
empunhando escudo e espada.
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Também na mitologia iorubá temos a donzela guerreira na figura de
Iansã, orixá dos ventos e tempestades, cuja beleza deflagrou uma
disputa mortal entre Ogum, o poderoso deus da guerra, e Xangô, o
impiedoso rei de Oyó. Destinada à lutar por liberdade, Iansã amou a
ambos e não foi de nenhum. Não por acaso, sua espada tem a forma de um
raio, uma chispa de fogo que encanta e amedronta.
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Sendo uma das mais secretas e inconfessáveis fantasias masculinas, a
mulher rebelde suscita medo e ódio. Ainda que sua causa seja justa,
tem de ser combatida pelo machismo. Mais do que combatida: apagada da
história. Cabe citar, neste caso, a obsessão que os militares
brasileiros tinham por decapitar as guerrilheiras presas durante a
ditadura. A prática de separar a cabeça do corpo revela,
simbolicamente, o desejo inconsciente de eliminar não somente a vida,
mas as ideias.
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Recentemente, com o crescimento da candidatura de Dilma Rousseff,
ex-guerrilheira que poderá se tornar a primeira mulher presidente do
Brasil, tem voltado à tona um tipo de pensamento criminoso que tenta
desqualificar aqueles que lutaram contra a ditadura. Comparar
opositores do regime à terroristas é uma tática suja utilizada por
quem perdeu o bonde da história.
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A resistência contra as tiranias é um direito reconhecido pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos. O único responsável pelo
surgimento da luta armada foi o governo ilegítimo instalado em
Brasília na base da força. A guerrilha nasceu como resposta à
violência do Estado e não o contrário. Foi assim na Argentina, em
Angola, na Argélia, em todas as partes do mundo onde houve ditaduras.
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Eram terroristas aquelas moças que, como Dilma, enfrentaram o
pau-de-arara e o choque elétrico? Ou eram terroristas os que
censuravam, perseguiam, torturavam e matavam em nome da Família, de
Deus e da Propriedade? Era terrorista a estudante Helenira Resende,
morta a golpes de baioneta no Araguaia? Ou terrorista era o Coronel
Sebastião Curió, que executou prisioneiras indefesas?
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Principalmente no mês de março, quando lembramos o massacre das
operárias de Chicago, queimadas vivas quando reclamavam por melhores
condições de trabalho numa fábrica de tecidos, temos a obrigação de
refletir sobre a importância da mulher na história das lutas
democráticas. No Brasil, apesar de quase não figurarem nos livros de
história, elas assumiram papel determinante nas conquistas e foram
sempre a vanguarda da sociedade.
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Da inesquecível Flor da Noite, a prostituta que colaborou na
insurreição dos marinheiros da Revolta da Chibata, passando por Leila
Diniz, que libertou as moças dos grilhões do moralismo hipócrita, as
mulheres brasileiras costuraram o mapa do Brasil, bairro por bairro,
rua por rua, casa por casa, forjando o espírito sensual e criativo
desta nação grávida de futuros.
Retirado do blog:botequimdobruno
Blog da Associação dos Servidores da Universidade Federal de Pelotas, criado pela Coordenação de Divulgação e Imprensa, com o objetivo de interagir diretamente com o associado e a comunidade em geral, debatendo assuntos não só de interesse da categoria, mas de toda sociedade, de forma crítica e participativa.
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