segunda-feira, 29 de março de 2010

Enem, petróleo e oportunismo gaúcho

Juremir Machado da Silva

Os gaúchos querem ser malandros.
Desejam ficar com a grana do petróleo dos Estados produtores, mas não
querem perder vagas nos seus feudos universitários para estudantes
mais preparados de fora.
Ibsen Pinheiro é um esperto.
Se o petróleo fosse produzido em Torres, por exemplo, ele não se
lembraria de que pela Constituição o mar é da União. E não
apresentaria projeto algum.
Mas estou com ele: vamos distribuir esse dinheiro.
A riqueza nacional deve ser compartilhada.
As universidades também.
Há pessoas contra o Prouni. Acham que só universidades públicas têm
qualidades. É conversa fiada.
Tem instituição privada ruim e instituição pública péssima. Todo mundo
sabe disso. Depende de curso, região, instituição, vergonha na cara e
tipo de estabelecimento.
Donos de cursinho não deveriam participar de debates sobre modalidades
de ingresso na universidade.
É chamar a raposa ladina para discutir a melhor maneira de qualificar
e organizar o galinheiro.
Nada contra os cursinhos. Eles são legítimos.
Pagam impostos. Fazem um bom trabalho.
Mas o negócio deles é ganhar dinheiro com um tipo de preparação que se
alimenta das falhas do ensino médio e do vestibular, que é um
mecanismo perverso de escolha.
O que vai dizer um dono de cursinho: que o vestibular é o único
sistema universal e perfeito.
Nesse caso, não pode vir dizer que deve existir um “universal gaúcho”,
opondo-se a um exame nacional.
A gauchada, como sempre, não quer perder os seus privilégios. A UFRGS
e alguns cursinhos formam um par.
As cotas e outras modificações começam a produzir uma quebra na
dominação branca e de classe média para cima de alguns cursos, os
cursos de “elite”.
O vestibular é um sistema de hierarquia social.
Não mede inteligência antes de tudo.
Mede condições desiguais de preparação.
Os cursinhos exploram esse darwinismo cruel.
Engraçado é ver estudantes adversários das cotas divulgando fotos das
casas de cotistas. Essas fotos mostram desvios no modelo que precisam
ser corrigidos. Abrem, no entanto, caminho para que sejam mostradas
fotos da casas de todos os estudantes dos melhores cursos das
universidades públicas, filhos das famílias mais abastadas, que não
pagam para estar ali.
Seria fácil corrigir isso até no sistema tradicional de vestibular:
passou, mostra o contracheque da família. A partir de determinado
valor, paga “x” ou “y”.
O episódio dos aprovados do Enem tomando lugar de gaúchos em
universidades gaúchas desmascara a falsa defesa do universal – só os
“melhores” devem entrar – feita até agora. De repente, com a
indignação de sempre, os gaúchos passaram a defender limites na
competição. Querem barreiras. Temas locais. Proteção contra
forasteiros. Reserva de vagas. Cotas regionais.
Os adversários das cotas, do Prouni e do Enem só querem defender
velhos privilégios.
Desejam que todos continuem a pagar os cursos de quem não precisa.
Alguns, contudo, querem a universalização da universidade pública. Só
para implicar com as privadas.
País decente não precisa de vestibular.
Precisa de um exame nacional de saída do ensino médio e de vagas nas
universidades para todos os aprovados. Custa caro. A sociedade deve
pagar. O Brasil está a caminho. Toda revolução encontra resistência do
antigo regime.

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