Meus pais morreram velhinhos, na casa dos cinquenta, por isso eu sempre achei que ia morrer cedo.
Aos quinze anos eu não suportava os senhores de vinte, e aos vinte eu tratava com muito respeito os coroas de 30.
Guerras, revoluções, aventuras, noitadas, promiscuidade, orgias,gonorréia, riscos e mais riscos, isso tudo me fazia crer que eu não chegaria aos 25 anos. Fiquei surpreso quando me senti forte e saudável aos 30.
Passei a aceitar a máxima: que a vida começa aos quarenta, e quando cheguei lá, comecei a perceber que, o que começa aos quarenta é a IDA e não a vida.
Quando fiz quarenta, um jovem colega relojoeiro de 30 anos me deixou confuso perguntando como eu me sentia ante a possibilidade da “morte.”
Para minha surpresa, foi esse jovem quem morreu pouco tempo depois. Aos 50 comecei a achar interessante a música “ Mulher de Quarenta”do Roberto e apaixonei-me por uma gravação de Paulinho da Viola:–
“Aos 50 anos, insisto na juventude…”, enquanto percebia impotente, meu ângulo peniano caminhando para os 90 graus.
Mas, antes dos 60, uma pílula azul alargou minhas possibilidades e possibilitou-me ver o sexo por ângulos mais estreitos e sem muitas dificuldades. Agora estou além dos 60.
Aos 40 rezava pela alma dos amigos e parentes mortos, nome por nome.Hoje, são tantos os que sucumbiram, que apenas rezo “pelos mortos em geral”.
E mais uma vez espanto-me por estar ainda vivo, e consolo-me no Salmo 91.7, que diz: “Mil cairão ao teu lado e dez mil sua direita, mas você não será atingido.” Mesmo confiando na Bíblia, ando sempre disfarçado pra São Pedro não me encontrar, afinal cautela e caldo de galinha nunca derrubou ninguém.
Ainda estou vivo, e pra quem achava que iria morrer aos 30 descubro que existe sobrevida após a vida. O preço do viver é muito alto para o jovem de hoje: tem que estudar, arranjar um trampo, se formar, ganhar dinheiro, ficar famoso, malhar, comer todas, casar, ter filhos, plantar arvore, escrever um livro, comprar casa e carro, e tudo fazer para manter o paradigma de bom sujeito, justo, de bons princípios, bem sucedido e vencedor.
Após os 60 você já está quite com tudo isso, não precisa provar mais nada e pensa só em viver muito e em paz. Qual o quê: tem que tomar antidepressivos, controlar a pressão, não comer açúcar, não comer sal, não fumar, não beber, se conseguir comer uma e outra já é uma vitória. Caminhar ao menos meia hora por dia, cuidar do joanete, dormir cedo, não discutir no trânsito, não se alterar no caixa do mercado, tolerar os filhos, agradar os netos, ficar calado diante da mediocridade, aceitar resignado o salário de aposentado, e curtir todas as dores porque se algum dia você acordar sem dor é porque está morto. Claro que o idoso tem suas vantagens: uma delas é a transparência. Quanto mais velho, mais transparente a gente se torna. Chega a ficar invisível: ninguém mais percebe você, mais um pouco e nem lhe enxergam.
E ante qualquer aborrecimento ou dificuldade a gente ameaça enfartar ou ter um AVC. “Olha o colesterol!!!
Funciona sempre! Logo todos se tornam gentis e cordatos, e aí começam os rapapés os agrados e a garantia de tratamento especial, comidinha especial e até presentinhos fora de época. Você se torna o centro das atenções, e isso é muito bom. Mas como tudo que é bom dura pouco, isso logo passa, e após o fato frustrado, o tédio recomeça, a indiferença retorna ainda mais forte e a gente vai se sentindo inútil como um chapéu velho.
Lidando com a minha “terceira idade” costumo ouvir dos entendidos de plantão: -”Só há duas alternativas: envelhecer… ou a outra, que é muito pior.” Preferi envelhecer, aceitando com alegria cada minúsculo “sim” que a vida me proporciona.
Hoje, quando encontro vaga num estacionamento de shopping, quando o banco está vazio, ou quando encontro promoção na farmácia, já considero uma bênção gigantesca e agradeço a Deus pela graça alcançada.
Após os 60, inspirado em um piadista sonhador, começo a regredir na existência. Sou um envelhecente teimoso, deixo Roberto Carlos, Paulinho e a viola de lado e cito Lupicínio Rodrigues: “Esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei.”
Mesmo se soubessem não ia adiantar nada, porque já foi provado que a sabedoria é proporcional ao número de anos vividos. Quanto mais vive o sábio, mais sábio fica… Como diz o velho amigo Mario Felipe, que Deus o conserve: –”O Chinês é sábio porque é velho.” Hoje, estou vivendo de lambujem, estou com o prazo de validade vencida, e como quase morri algumas vezes em minha vida, acho que viverei até fartar-me cometendo alguns pecadinhos como atacar a geladeira na calada da noite, assistir filminhos de mulher nua na internet, comer doces e sorvetes escondido do meu médico e da família,enfim estou bebendo, comendo e andando e isto está de bom tamanho,… estou no lucro.
Envelhecer é inevitável, ficar velho é opcional, por isso sou um envelhecente, não sou um velho. Tenho dito!
José Roberto Mira
Blog da Associação dos Servidores da Universidade Federal de Pelotas, criado pela Coordenação de Divulgação e Imprensa, com o objetivo de interagir diretamente com o associado e a comunidade em geral, debatendo assuntos não só de interesse da categoria, mas de toda sociedade, de forma crítica e participativa.
2 comentários:
Adorei a leitura. Quase uma homenagem a nós, aposentados.
Muito legal. Para lá vamos todos nós e devemos ir com essa tesão de viver....
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